ENTREVISTA: Global Leader fala sobre publicação que promove qualificação de profissionais da primeira infância

Informações sobre neurociência, desenvolvimento emocional, violência, a importância do sistema de justiça, gestão participativa na educação, entre outros outras temática que afetam a primeira infância, crianças de 0 a 3 anos, são a temática do livro Primeira Infância no Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, de Isabella Henriques, diretora executiva do Instituto Alana e Global Leader for Early Childhood  (Líder Global pela Primeira Infância – GL)  do biênio 2016/2018.

Enquanto GL, Isabella assumiu o compromisso de realizar um projeto que possibilitasse um fortalecimento das ações já desenvolvidas por ela e por sua organização, ao que tange principalmente as políticas públicas.  O livro parte dos debates promovidos a partir de um ciclo de palestras sobre primeira infância junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para os profissionais que atuam no Sistema de Justiça na área da infância. Isabella, que também é advogada, decidiu desenvolver um projeto que promovesse acesso a profissionais de todo o País aos diálogos estabelecidos no evento, colaborando para a qualificação, em escala, do atendimento a esse público.

A publicação foi lançada durante evento de assinatura do Pacto Nacional pela Primeira Infância – Seminário Região Centro Oeste, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e possui textos de mais de vinte especialistas em primeira infância, em distintas áreas do conhecimento. Na entrevista a seguir, Isabella conta um pouco sobre o processo da construção do livro, sua trajetória em relação aos direitos da criança e sua seleção como GL.

O que te motivou a decidir por essa publicação como produto do projeto Global Leader?

ISABELLA HENRIQUES – A publicação é fruto de um trabalho realizado por muitas pessoas e instituições. Foi decorrência natural de várias ações em que eu estava envolvida ao mesmo tempo, em especial um ciclo de palestras sobre primeira infância junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para os profissionais que atuam no Sistema de Justiça na área da infância pelo programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Foi uma ação muito exitosa, que mostrou a todas as pessoas nela envolvidas a importância de compartilharmos o conhecimento sobre o desenvolvimento na primeira infância com os profissionais do Sistema de Justiça que, por vezes, atuam profissionalmente em causas relacionadas a direitos de crianças, na primeira infância. Para mim, ficou ainda a conclusão de que se tratava de ação importantíssima a ser replicada em outros estados. Ainda que também a consciência da complexidade para ser reproduzida em escala nacional.

Assim, diante do desafio do Global Leaders, foi natural pensar em fazer um registro do conteúdo do ciclo de palestras para que, dessa forma, ainda que não com a riqueza que um evento presencial proporciona, os profissionais interessados na temática, pudessem ter acesso ao conteúdo apresentado pelos palestrantes envolvidos.

Como se deu o processo de construção dos artigos? E da divisão dos eixos temáticos?

ISABELLA HENRIQUES – Houve um convite a profissionais altamente qualificados nas suas áreas de atuação, com foco na primeira infância. Todos os autores dos artigos participaram como palestrantes do ciclo de palestras e foram convidados a escrever justamente sobre o conteúdo de suas falas e palestras. A divisão dos eixos temáticos seguiu a divisão que fora realizada nos citados eventos, de maneira a promover o conhecimento sobre diferentes perspectivas, que são igualmente relevantes quando o tema é primeira infância.

Qual impacto você espera que a publicação tenha na sociedade?

ISABELLA HENRIQUES – Espero que o impacto seja efetivo, como uma potente contribuição para a promoção e defesa dos direitos das crianças na primeira infância no país, e que por meio das versões impressa e digital chegue ao maior número possível de pessoas e profissionais do Sistema de Justiça. Dessa forma, o maior impacto terá sido a contribuição para um Poder Judiciário cada vez mais acessível e amigável à primeira infância e às crianças em geral, no sentido de ter como norte o artigo 227 da Constituição Federal, que as coloca como prioridade absoluta da nação.

Como você pretende fazer para que essa publicação chegue ao público alvo e quem é esse público alvo?

ISABELLA HENRIQUES – A publicação tem como objetivo levar conhecimento sobre a primeira infância aos profissionais do Sistema de Justiça, notadamente para psicólogos forenses, conselheiros tutelares, promotores, juízes e advogados. Por ter sido disponibilizada em versão digital a publicação tem maior alcance. Já está sendo divulgada pelo Instituto Alana e seu programa Prioridade Absoluta.

Gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória em relação à defesa da primeira infância.

ISABELLA HENRIQUES – Faz mais de uma década que me dedico profissionalmente à causa da defesa e promoção de direitos da criança, atuando no Instituto Alana, que é uma organização sem fins lucrativos, que tem como missão ‘Honrar a criança’. Em que pese o conceito de criança da referida missão – abranger pessoas de 0 a 18 anos – valendo-se do conceito de criança da ONU – ou, como definido na nossa legislação, crianças e adolescentes. A primeira infância sempre foi um período da vida do ser humano em relação ao qual o Instituto Alana dedicou especial atenção.

Na sua origem, a instituição chegou a ser responsável pelo maior atendimento direto de bebês da região de São Miguel Paulista, quando fazia a gestão de um centro de Educação Infantil conveniado com a Prefeitura da cidade de São Paulo, no Jardim Pantanal.

Posteriormente, em 2016, lançou o documentário O começo da vida, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e a Fundação Bernard Van Leer. Esse filme é um marco no país sobre o tema da primeira infância e a respeito da importância de todos nós, sociedade, famílias e Poder Público olharmos para as nossas responsabilidades em relação a todas as crianças com prioridade absoluta.

A partir do lançamento desse documentário, produzido pela Maria Farinha Filmes, o Instituto Alana passou a atuar mais fortemente em ações de Advocacy relacionadas à primeira infância e, por conseguinte, eu também. Estive no programa de liderança executiva em desenvolvimento da primeira infância do NCPI/ Harvard em 2013 e depois fui selecionada no programa do Global Leaders for Young Children do World Forum Foundation nos anos 2016/2018.

Como conheceu o World Forum e decidiu se candidatar como GL?

ISABELLA HENRIQUES – Conheci o World Forum por meio de Maria Thereza Marcílio e da Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI) da qual o Instituto Alana faz parte há muitos anos. O primeiro contato que tive com Maria Thereza foi em 2010, justamente quando ela coordenou, com Gustavo Amora, a publicação Primeira Infância em Primeiro lugar: experiências e estratégias de advocacy (linkar), que foi resultado do trabalho deles como Global Leaders pelo World Forum. Naquela oportunidade escrevi juntamente com Ana Neca e Pedro Hartung um artigo sobre o tema e a experiência do Criança e Consumo, programa do Instituto Alana.

Decidi me candidatar, alguns anos depois, quando já tinha um trabalho na área mais aprofundado e focado em ações de advocacy em prol da infância, sob vários aspectos e não somente no âmbito do consumismo infantil, que foi o tema que me levou para a defesa e promoção dos direitos da criança.

Como foi sua experiência como Global Leader?

ISABELLA HENRIQUES – Foi uma experiência muito enriquecedora. Tive a oportunidade de participar dos encontros regionais no Novo México (EUA) e em Querétaro (México), e do encontro global em Auckland (Nova Zelândia), conhecer as experiências dos outros participantes do grupo com bastante profundidade, receber o curso de liderança, inclusive realizando o curso à distância do Red River College, do Canadá.

Também tive contato com pessoas que fazem trabalhos em prol da primeira infância ao redor do mundo. Pude construir uma rede conectada em vários países pela causa da infância, que troca experiências, acertos e erros, bem como, mais do que isso, une e inspira pessoas que compartilham valores semelhantes quando o tema é infância.

São pessoas que, ao redor do mundo, estão trabalhando arduamente para garantir direitos de crianças nas mais diferentes condições. Alguns preocupam-se com questões de discriminação, situações de pobreza, acesso à educação, outros com roubos de crianças para rituais religiosos, ou com crianças que vivem em penitenciárias com suas mães. O mundo é muito vasto. São milhares os problemas e as dificuldades. Felizmente também são milhares os que estão lutando para transformar tudo para melhor.
Uma característica interessante e muito marcante do Global Leaders é que é focado em pessoas e ativistas. Bonnie e Roger Neugebauer [idealizadores da World Forum Foundation], que são um casal, iniciaram essa história toda justamente com esse olhar. Querem juntar experiências de pessoas que já fazem muito pela primeira infância em seus países e estão em contato direto com as populações. E todas essas pessoas são igualmente enriquecedoras umas às outras, nas diferenças, nas semelhanças, nas histórias, conhecimentos e no que fazem.

Qual a importância dessa experiência para sua formação pessoal, além de profissional?

ISABELLA HENRIQUES – A experiência foi incrível tanto profissional, como pessoalmente. No campo pessoal, tive a oportunidade de fazer uma formação específica sobre desenvolvimento na primeira infância, adquirindo mais conhecimentos sobre essa fantástica fase de vida de todos nós seres humanos. Aprendi muito com o curso, as palestras, as trocas com os participantes e o conhecimento de ações locais que pude visitar em diferentes países. A relação com os participantes foi um capítulo especial porque fazer parte de uma comunidade que acredita ser possível um mundo mais amigável às crianças em todas as dimensões – e, por consequência para todos nós – é um estímulo a mais para o dia a dia. Além de dar ainda mais sentido a tudo que faço nessa área, pessoal e profissionalmente.

Por vezes, somos bombardeados com notícias negativas sobre os rumos da humanidade. Conhecer tanta gente e tantas ações positivas, que caminham noutra direção, faz um bem enorme. Dá uma sensação de que estamos melhorando como humanidade. O que é fato. Estamos mesmo. Ainda que muitas vezes nossa percepção fique nublada quanto a isso, as pesquisas são categóricas em mostrar que todos os índices de qualidade de vida são melhores hoje do que foram nos séculos passados. É certo que temos obstáculos enormes a um avanço maior e a uma sociedade global mais justa e mais fraterna. Mas seguimos avançando e precisamos ter isso em mente todos os dias.

Quais são seus planos para o futuro enquanto defensora dos direitos das crianças?

ISABELLA HENRIQUES – Quero continuar trabalhando em prol de uma sociedade mais justa, democrática e solidária, contribuindo para garantir que todas as crianças que vivem no país, indistintamente, tenham seus direitos efetivados na prática. Acredito que é possível ao Brasil ser um país que verdadeiramente respeita e honra suas crianças em todas as dimensões.

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