A necessária poética da simplicidade na Educação Infantil

Entre os meses de setembro e outubro (2016), o Programa Paralapracá ofereceu para as coordenadoras pedagógicas e equipes técnicas dos municípios parceiros, o Módulo Assim se Organiza o Ambiente, no seu Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Como nos eixos formativos: brincar, artes visuais, música, literatura e exploração do mundo; e demais temas abordados nas formações do Programa, as reflexões sobre a temática são uma constante. Em consonância com essa organicidade, o Programa trouxe ao Brasil, em 2014, Paula Strozzi e Vanna Levrini, pedagogista e professora na cidade italiana de Reggio Emilia, respectivamente, para compartilhar suas experiências no V Encontro Formativo do Programa Paralapracá, que aconteceu em Olinda (PE).
A experiência mobilizou as educadoras envolvidas com o Programa para a poética da simplicidade na Educação Infantil, por meio de um olhar mais atento, sensível e curioso aos elementos naturais e das culturas locais, a partir do envolvimento das famílias e da comunidade, em um movimento que reconhece a escola como um espaço de vida (da vida presente de cada criança), e não apenas como um espaço para a preparação do seu futuro.
Simplicidade
Paula Strozzi e Vanna Levrini chegaram ao local do encontro com sacolas carregadas de materiais inusitados como folhas, cascas de árvores, pedras e sementes, colhidas ao longo de uma caminhada de 200 metros até o salão, onde a esperavam assessoras, supervisoras, gerentes e coordenadoras pedagógicas das cinco redes municipais de educação parcerias do Programa no ciclo II (2013 a 2017): Camaçari (BA), Natal (RN), Maracanaú (CE), Olinda (PE) e Maceió (AL). A atitude das educadoras foi o estopim para os questionamentos que acompanhariam a turma ao longo do percurso formativo proporcionado pelo Encontro: como a contemplação, aliada a um olhar sensível pode qualificar a Educação Infantil? E como tudo isto pode ajudar a construir um ambiente que expresse os direitos e potencialidades das crianças?
O uso de materiais deste tipo, segundo Paula e Vanna, é um hábito entre educadores das instituições de Educação Infantil na cidade de Reggio Emilia. Embalagens de balas, flores, latas são recolhidas pela comunidade e doadas para as escolas, que as aproveitam e (re) aproveitam com esmero e cuidado, em relação ao uso estético desses materiais, contribuindo para práticas pedagógicas que visam uma educação ética, calcada em produções artísticas e na construção de novas aprendizagens com as crianças, que fazem uso criativo e belo, mediadas pelas educadoras.
Com seus exemplos, Paula e Vanna começaram a despertar na plateia a importância e o valor do uso de objetos simples, naturais e reaproveitáveis em seu trabalho. Além disso, foi ressaltada a importância da qualidade do espaço, dos materiais e das relações.
O Ambiente
“O ambiente na nossa experiência tem um papel muito importante. Ele expressa os direitos e potencialidades das crianças. Por isso, todas as instituições dedicam um tempo significativo ao seu cuidado”, revelou Vanna Levrini. O diálogo constante entre o contexto interno e externo das instituições, seu uso flexível, o aproveitamento de materiais e o trabalho coletivo na elaboração e na construção destes ambientes são premissas em Reggio.
Ela mencionou que alguns detalhes estruturais tiveram que ser respeitados por conta das normas arquitetônicas. As fotos revelaram um trabalho coletivo, no qual se pôde perceber a participação até mesmo das crianças.
“Acreditamos que o espaço tem que comunicar e sugerir possibilidades; ser flexível. Quanto mais simples os móveis, maiores as possibilidades de uso”. Ela acrescenta ainda que até o momento da escolha dos móveis e ornamentos do ambiente podem – e devem – fazer parte do processo educativo. Por isso, a tendência é evitar os materiais industrializados. “Preferimos recuperar os antigos ou fazer novos. Reaproveitá-los comunica sobre a importância de manter, de preservar as coisas, e sobre a possibilidade de transformá-las, dar-lhes nova vida, novas cores, novas utilidades”.
A partir daí, o papel da professora é acolher todo o ambiente como um grande espaço simbólico e construtivo, e legitimar a possibilidade de mudar os objetos de lugar. “Para as crianças, esta possibilidade significa, também, aprender a respeitar as escolhas dos amigos”, pontua. Ou seja, cada movimento, cada novo espaço criado demanda uma negociação, uma construção coletiva entre elas.
Para as educadoras, um ambiente que expresse o contexto no qual se está inserido e possibilite o exercício de participação das crianças – que aprendem pelo fazer, estimuladas pelos materiais oferecidos – é um aspecto importante e revela a qualidade do processo pedagógico.
Materiais
“Todos os objetos encontrados nas escolas podem se tornar um material de reflexão e de construção para e com as crianças”, enfatiza Paula Strozzi. Caixas, vasilhas, embalagens, espelhos, redes, tecidos diferentes, tudo pode ser um estímulo para a investigação das diferentes reações e para a construção de aprendizagens. As crianças adoram desenhar? Então, “o papel é precioso para elas”. A educadora sugere a oferta em variedade de cor, espessura e tamanho. “Isto faz com que elas percebam as diferenças entre um e outro”.
Os materiais naturais têm um valor especial em Reggio. “A ideia é explorar o jardim, acolher as sugestões das crianças e executá-las. Não se deve dividir o momento para a dança, para a música, por exemplo. A escola é um espaço de vida, que pulsa de forma integrada e harmônica, a partir de projetos de interesse das crianças, que estão em movimento de investigação constante.  Para isso, é preciso ficar atento à interação das crianças com os materiais, com sua forma, textura, tamanhos, com a vibração que produzem. E provocar por meio da introdução de novos elementos, a exemplo do uso de fontes de luz, como lanternas e velas, que tornam as coisas diversificadamente bonitas e diferentes em cada contexto. Tudo isso permite às crianças criar novas paisagens, investigar, bem como entrar no jogo simbólico, na fantasia”, explica Paula.
A educadora lembra que é interessante separar e misturar materiais naturais e industrializados. “O importante é que esta mistura tenha um significado, um sentido”.
Riqueza
Paula Strozzi e Vanna Levrini chegaram ao Brasil para falar de uma vivência em Educação Infantil que é referência em todo o mundo e que coloca a experiência a serviço da reflexão. Elas lembraram que para interagir com as crianças é preciso resgatar o olhar sensível e a capacidade de contemplar o mundo em seus pequenos detalhes, aqueles que nos parecem insignificantes, em sua poética.
Para isso, a entrega, o envolvimento e a afetividade precisam estar na linha de frente do processo formativo. Paula e Vanna retornaram para a Itália carregando um verdadeiro “baú de tesouros” na sua memória. Foram cascas de árvores, folhas, flores, sementes e pedras; elementos típicos da nossa fauna, riquezas despercebidas pelos nossos olhos, já tão destreinados em enxergar seu valor simbólico, que acabam sendo desperdiçados como fonte de conhecimento para nossas crianças, tornando-se apenas lixo.
Paralapracá
Desenvolvido em aliança com as secretarias municipais de educação, o Paralapracá possui dois âmbitos de atuação: a formação continuada de profissionais de Educação Infantil e o acesso a materiais de uso pedagógico de qualidade. A iniciativa, que visa contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento às crianças na Educação Infantil, é uma frente do programa Educação Infantil, do Instituto C&A, em parceria técnica com a Avante – Educação e Mobilização Social, atualmente nos municípios de Camaçari (BA), Maceió (AL), Maracanaú (CE), Natal (RN) e Olinda (PE).
Em 2015, tornou-se metodologia consagrada pelo Guia de Tecnologias Educacionais do Ministério da Educação (MEC), conferindo notório saber à Avante, na formação continuada de profissionais de Educação Infantil.
A partir de 2016, a implementação do projeto Paralapracá passou a priorizar duas frentes de trabalho estratégicas e complementares, visando a sustentabilidade dos princípios do Programa nesses municípios: as ações de fortalecimento da gestão municipal (relativas a formação, currículo e condições de atendimento) e as ações de sustentabilidade dos processos formativos.

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