Prevenir para não acontecer – Com abuso não se brinca, é o que melhor podemos fazer, já que a experiência da violência sexual na infância ou adolescência é algo que pode marcar uma vida de forma nada saudável. Embora a maioria dos casos ocorra com meninas, queremos alertar para a importância de olharmos para os meninos, que também margeiam os índices de violência sexual.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), meninos também são vítimas de estupro e hoje representam 14% dos casos, sendo que 43,4% deles tem entre 5 e 9 anos de idade. Além disso, é preciso considerar que eles são os que apresentam maior resistência para falar sobre o assunto, em razão dos estigmas sociais. A fim de abordar a temática, pensando no diálogo com os meninos, a Avante – Educação e Mobilização Social indica a leitura do livro: Antônio.
O protagonista do livro, Antônio, tem sete anos e sofre abuso dentro do seu próprio quarto, por um “amigo” da família. A história atua como mediador na abordagem de aspectos delicados numa situação de abuso. A dificuldade das crianças em expor o abusador, principalmente quando as vítimas são os meninos. As diversas alterações de comportamento pós-abuso e as possibilidades de adoecimento psíquico decorrente do trauma. Por apresentar uma atmosfera de suspense e o uso de muitas metáforas para tratar de uma temática difícil, a Avante recomenda que a leitura com crianças seja feita na companhia de um adulto, ou que o livro seja direcionado a pré-adolescentes ou adolescentes.
Antônio
A narrativa escrita por Hugo Monteiro Ferreira, com ilustrações de Camila Carrossine, se desenvolve em uma atmosfera de tensão. Antônio, uma criança de sete anos, alegre e brincante, que sonha em ser mágico e aprender a voar, logo vê seu mundo imaginativo e colorido transformar-se num lugar solitário e sigiloso.
A mudança repentina acontece após a visita de uma “Mão misteriosa” em seu quarto. A “Mão” impede Antônio de falar ou gritar. Ela é ameaçadora e violenta.
A ”Mão”, personagem antagonista da história, não tem nome, corpo ou rosto, é apenas má e machuca Antônio. As ilustrações do livro mantém a imagem do dono da “Mão” em segredo.
A “Mão” é grande, com dedos finos e unhas longas, típica das bruxas dos contos de fadas. Aliás, Antônio intertextualiza, em momentos de pânico, a história de João e Maria, do Soldadinho de Chumbo e Peter Pan, como uma espécie de refúgio referencial para encontrar saídas no mundo real.
Antônio vive com os seus pais e Olga, uma senhora que cuida do menino, sobretudo quando os pais pesquisadores estão em viagem.
A “Mão” frequenta a casa da família e, todas as vezes que machuca Antônio, faz ameaças de prejudicar os seus pais. Antônio, para protegê-los, se mantém calado, num sofrimento doído, solitário e adoecedor.
E Antônio adoece. O que tem Antônio? – perguntavam-se todos. A presença da “Mão” o constrangia e o fazia tremer de medo. Tamanho foi o medo que ele deixou de brincar para apenas alimentar o pânico que a “Mão” pesada o submetia.
Antônio desenvolveu depressão. No consultório psicológico, o profissional o incentivou a se abrir, mas nada. A única deixa foi uma frase dita por Antônio ao visualizar o quadro de uma mão adulta segurando uma mão de criança: “a Mão é má!”.
Em uma viagem de seus pais, Antônio foi obrigado a ficar na casa de um conhecido da família. Ele relutou, se desesperou, mas não adiantou. O menino teria que passar uma noite fora do seu quarto, na presença de alguém que, por algum motivo desconhecido pelos pais, o fazia estremecer de pavor.
À noite, Antônio ouve barulhos. O que fazer? Qual a saída? Antônio fingiu que dormia. A “Mão” não se importou em importunar. Antônio viu a “Mão” e lembrou que João e Maria, em algum momento, conseguiram escapar da bruxa. Ele lembrou também de Peter Pan e decidiu voar! Voou (em sua imaginação) e gritou, gritou até que seus pais precisaram retornar.
A “Mão”, insolente e inoportuna, foi visitar Antônio num outro momento de ausência dos seus pais. Dessa vez, ele gritou! Não foram gritos de medo apenas, mas de libertação. Ele encarou a “Mão” e a expôs. A “Mão má” que o machucava era íntimo da casa.
Olga o acolheu. Pôs a “Mão” para correr e Antônio pôde voltar a ser o menino sonhador, o pequeno mágico que era.
Antônio é uma história com final feliz, assim como todos os contos lidos por ele. Uma narrativa de encorajamento, para que crianças e adolescentes percebam o poder da denúncia.
A “Mão”, metáfora para o abusador “amigo”, só tinha força no silêncio. Suas maldades contra Antônio só permaneceram enquanto o menino não conseguia falar.
O segredo funciona, em casos de abuso sexual, como uma capa invisível de proteção ao abusador, uma espécie de sombra ou esconderijo; enquanto a denúncia é como o voo livre da criança que não quer crescer, ou a vitória doce de João e Maria sobre a bruxa má.
Um excelente livro para alertar os adultos sobre possíveis sinais de violência sexual apresentados pelas crianças, como – alterações comportamentais e adoecimentos psíquicos; para a necessidade da escuta sensível, do diálogo e do rompimento dos estigmas que acometem os meninos.