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Universidade Indígena e a demarcação do ensino superior

“Quando eu fui para a universidade fazer a faculdade de Direito, lembro que no primeiro dia de aula, um colega de turma me disse, em tom de brincadeira – ué, um indígena na universidade?”.

A pergunta feita a Maynamy Santana, primeiro advogado indígena de Alagoas, reflete o imaginário popular marcado pelo estereótipo do indígena cristalizado em 1500, cuja identidade está condicionada à aldeia e, quase sempre, ao fenótipo. 

O depoimento de Namy Xucuru-Kariri denuncia o racismo “recreativo” que acomete, principalmente, os 315 mil indígenas que vivem em contexto urbano no Brasil, e expõe as violências resultantes da negligência do Estado com os direitos sociais básicos dos povos originários.

Em face disso, para ampliar os direitos dessas populações, fortalecer a Educação Escolar Indígena e atender a uma demanda histórica, o Ministério da Educação anunciou a criação da primeira Universidade Federal Indígena do Brasil (Unind).

A proposta pretende trazer impactos significativos, não apenas pelo investimento na formação dos indígenas – que poderão ocupar diferentes áreas profissionais e de pesquisa, mas por afirmar os saberes, culturas e a diversidade dos povos originários – uma forma assertiva de enfrentar a invisibilidade e a discriminação contra essas populações.

Demanda histórica

A legislação brasileira assegura às comunidades indígenas o direito à educação escolar diferenciada, intercultural e bilíngue, por meio da Lei de Diretrizes e Bases (1996). No entanto, a educação superior ainda carece do devido reconhecimento e investimento público. 

Katu Tupinambá, diretor da Escola Estadual Indígena Tupinambá de Abaeté, graduado em matemática e Mestre em ensino e relações étnico-raciais, afirma que, em geral, os professores indígenas fazem cursos semipresenciais, porque as universidades são distantes das comunidades, por isso, ele verifica “a necessidade de formalizar uma instituição intercultural, presencial, onde os professores possam ir o dia todo ou todos os dias”.

A partir de 1990 muitas iniciativas fomentaram a formação contínua do professorado indígena, por meio de parcerias com universidades. Em 2008, o MEC instituiu o Prolind – Programa de apoio à formação superior de professores indígenas por meio das Licenciaturas Interculturais em universidades públicas. Ainda assim, a única política pública de acesso ao ensino superior que engloba cursos de bacharelado é a Lei de Cotas (2012). Um dispositivo necessário, mas que ainda segue em disputa, sobretudo, por grupos neoliberais meritocratas. 

“As pessoas costumam afirmar, sem a reflexão necessária, que as cotas raciais não são justas. Será que não há uma disparidade de acesso à Educação superior, vagas de concurso público ou outras cadeiras?”, questiona, com indignação, Namy Xucuru-Kariri.

A realidade, todavia, segue em mudança e deu um salto exponencial após a Lei de Cotas e programas federais de incentivo, como o Universidade para Todos – ProUni. Segundo o Censo de Educação Superior do Ministério da Educação, enquanto em 2009 havia apenas 11,4 mil indígenas matriculados no ensino superior, em 2022, esse número chegou a 70 mil (29% em públicas e 71% em privadas).

A criação da Unind representa um marco na garantia dos direitos dos povos indígenas. Uma política reparatória indispensável, que conta com a participação de representações indígenas importantes, como: o Ministério dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (Fneei) e a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (Cneei).

“Se nós, povos indígenas, somos forçados a ir para a universidade, para a cidade, a aprender outros costumes, outras formas de organização sociais, a discutir políticas públicas, a se formar em Medicina, em Direito, será que isso não é um reflexo do processo colonizador? Qual política pública equilibra essa sociedade, uma vez que a nossa própria Constituição nos garante isonomia?”, questiona Maynamy.

O princípio da isonomia, bem lembrado pelo advogado e ativista indígena, estabelece que todos os cidadãos são iguais perante a Lei, portanto, têm direito a tratamento justo e equitativo. Dessa forma, a Unind configura uma política de equidade estratégica para iniciar um processo de reparação e paridade social. 

“A formação dos professores indígenas é essencial para dar aos nossos alunos a confiança e a credibilidade de fazer um vestibular ou o ENEM de igual para igual com qualquer outro concorrente”, concluiu Katu Tupinambá.

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