O livro é poético e sensível. Sua narrativa mistura fantasia e realidade, ancestralidade e atualidade. É uma obra para crianças e adultos, capaz de sensibilizar qualquer leitor.
A narrativa é afrocentrada, antirracista e discute as subjetividades de um menino negro que se vê coagido e constrangido pelos colegas da escola por causa dos seus cabelos crespos.
O livro é escrito por Kiusam de Oliveira – mestre em Psicologia e doutora em Educação – e ilustrado por Rodrigo Andrade – artista gráfico apaixonado por bibliotecas e livros ilustrados. Uma parceria cuja afinação se expressa na confluência da beleza do texto e das ilustrações.
A obra positiva o fenótipo das pessoas negras, celebra a cultura e ancestralidade africanas e problematiza o racismo reproduzido pelas crianças no contexto escolar.
Neste novembro negro, a Avante – Educação e Mobilização Social indica “O Black Power de Akin” – uma obra de ficção de encher os olhos e o coração, prefaciada por Emicida, artista e ativista antirracista.
A narrativa
A história se passa em Noar, uma cidadezinha cuja noite “tem cheiro de pão quente, café fresco e bolo de fubá”. A família dessa narrativa é puro encanto: Akin, o protagonista, é um adolescente que mora com o seu avô, Seu Dito Pereira, e seus dois irmãos – a pequena Femi, de quatro anos, e Kayin, de seis.
Seu avô é o responsável pelos netos, tem 78 anos, toca berimbau, canta ladainhas e conta histórias. Seu Dito é um observador atento das crianças. Um leitor silencioso e respeitoso de cada gesto dos seus pequenos.
Akin estuda numa escola pública de Noar. Seus colegas de turma são os mesmos, desde sempre, no entanto, agora, com a pré-adolescência, ir à escola tem sido um desafio e o boné tem se tornado o seu acessório indispensável.
Seu Dito, todo atencioso, sábio e experiente, já percebeu que algo não estava certo, mas Akin argumentou que o boné era moda e só não queria ficar de fora.
Com o avançar da trama, as raízes do incômodo começam a aparecer. Não era somente uma crise com a autoimagem, comum a muitos adolescentes, Akin estava sendo alvo de brincadeiras em razão do seu cabelo crespo e volumoso.
Na escola, o menino se deparou com mais um conflito: agora, eram os seus amigos que, maldosamente, queriam uma justificativa para o uso recorrente do boné. Akin reforçou o argumento da moda na cidade grande, mas seus colegas extrapolaram e o expuseram diante de toda a escola.
Akin não poderia ficar pior. Seu sofrimento afetou sua autoestima, a ponto de não mais querer aceitar-se negro. A presença de Seu Dito, entretanto, fez toda a diferença nesse momento de crise pelo qual passava o neto.
A ilustração do abraço de Akin e Seu Dito é empatia e cura. E o diálogo entre neto e avô é de uma beleza que merece ser lido e relido. É desabafo, amor, cuidado, é o encontro de dores geracionais.
Nessa conversa, o avô compartilha com o neto um baú de memórias, e dele emergem reconhecimento e ancestralidade. A conversa se espraia pelo quintal e o remédio para as feridas da alma do menino chega também com as ervas, aromas e mistura que seu sábio avô faz com a colheita.
A narrativa parece encerrar com a abertura do baú, mas o enredo segue ainda mais surpreendente e bonito. A resenha, no entanto, fica por aqui, sob pena de reduzir a beleza das cenas emblemáticas de cura da autoestima do menino e o desfecho cheio de simbolismos e representatividade.
Somente as crianças que sentiram a necessidade de esconder ou transformar seus cabelos por conta de brincadeiras racistas na escola compreenderá a dor e o constrangimento de Akin.
É um livro para diferentes contextos, mas certamente essencial para a sala de aula. A Avante indica a leitura e a replicação dessa obra fantástica para reforçar o seu compromisso com uma educação decolonial e antirracista.