
“Levar o nome da nossa comunidade e fazê-la presente naquele espaço de luta, expor a carência da comunidade sobre locais de brincar e o risco de desapropriação injusta foram o foco da minha fala”, compartilhou Laís Costa Santana, moradora da Baixa do Tubo, sobre sua participação no debate realizado pela Bancada de Oposição da Câmara de Salvador, em 19 de março de 2025, para discutir o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da capital baiana.
O direito à moradia é reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantido na Constituição Federal brasileira e engloba as condições básicas para um viver digno: casa, sistema de água e esgoto, energia elétrica, iluminação pública, serviços de comunicação, coleta de lixo, postos de saúde, espaços de lazer, escolas públicas, entre outros – aspectos fundamentais para a garantia do desenvolvimento físico, emocional e social das crianças.
Infraestrutura
Para Laís Costa, as crianças da Baixa do Tubo estão negligenciadas nesse quesito. O parquinho da comunidade, por exemplo, essencial para o brincar livre, “foi destruído nas últimas eleições com a falsa promessa de que seria reconstruído, sob o discurso de “um lugar melhor para as crianças brincarem”, mas foi completamente abandonado”; assim como o campo de futebol – cuja destruição foi realizada “por uma empresa de engenharia, durante uma madrugada, sem o consentimento dos moradores”, complementou.
Mãe de uma menina de 4 anos, Laís compreende a importância do direito à moradia para o desenvolvimento integral das crianças, por isso, além de apontar os problemas das áreas de lazer, ela desabafa sobre as escolas do bairro: “é muito difícil ter uma semana inteira de aula. Minha filha estuda em uma dessas escolas, que é de período integral, e não tem um local para brincar. Eu e minha família recorremos a bairros adjacentes para ela se divertir”.
Representar a sua comunidade na discussão do PDDU trouxe à moradora não somente a perspectiva de melhorias para o seu território, mas a consciência da emancipação política como força motriz para seguir adiante.
“Poder me fazer presente e trazer voz para a Baixa do Tubo/Alto do Coqueirinho foi muito bom. Sinto que um primeiro passo foi dado, e devemos continuar. Além disso, escutar sobre outros locais que compartilham da mesma luta, trouxe identificação e a certeza de que não devemos desistir”, sintetizou a moradora.
Direito à moradia em risco
O risco iminente de remoção ou desapropriação injusta, como caracteriza Laís, coloca comunidades periféricas sob a permanente sensação de insegurança. Ao se verem ameaçadas a deixarem suas casas em função dos riscos de deslizamentos ou outros fatores relegados a grupos segregados pelo racismo, resta apenas uma alternativa: mobilização coletiva para enfrentamento político.
Contra a violação desse direito humano, uma relevante linha de frente tem se formado na Baixa do Tubo, principalmente, a partir do engajamento do grupo de convívio de mulheres organizado e mediado pelo Foco nas Infâncias.
Desde 2024, o Projeto vem promovendo ações de formação política, aprofundando diálogos importantes que concorrem para a proteção integral das crianças, entre eles, o direito à moradia.
“Pela primeira vez, as moradoras e moradores da Baixa do Tubo e do Sucuiú tiveram acesso à informação sobre a caracterização do território onde vivem no planejamento urbano da cidade de Salvador. Ter este conhecimento é fundamental para fortalecer a luta pelo direito à moradia digna. A legislação brasileira prevê que, nas áreas denominadas ZEIS, a regularização fundiária seja destinada à moradia popular e que a prefeitura deve fazer investimentos em infraestrutura e equipamentos como escola, posto de saúde, espaços de lazer e cultura, o que na prática não é feito”, esclareceu Christiane Sampaio, coordenadora do Projeto.
De acordo com Marcos Oliveira de Carvalho, conhecido como Bau, arquiteto e professor da Faculdade de Comunicação da UFBA, a campanha ZEIS JÁ (ZEIS – zonas especiais de interesse social) “surgiu do esforço de difundir esse conceito que é particularmente útil para as comunidades vulneráveis e da constatação de que elas precisavam começar a refletir e, a partir daí, agir para a conquista desses direitos. A ideia é fazer com que essa consciência cidadã se espalhe nessas comunidades, para que elas saibam que têm direito a um tratamento diferenciado e a uma regularização fundiária prioritária por parte do poder público municipal”, explicou.
Acesse ZEIS JÀ – Zonas Especiais de Interesse Social – https://www.zeisja.org/
Direito a viver com dignidade
Em Salvador, mais de 5.100 famílias estão ameaçadas de remoção – número divulgado pelo Centro Brasileiro de Justiça Climática, na cartilha Se essa casa fosse minha? Eu mandava ela morar (2025).
A remoção retira famílias de suas casas, em razão de questões ambientais, segurança pública ou planejamento urbano, sem, necessariamente, garantir-lhes indenização ou nova moradia; enquanto a desapropriação ocorre quando o Estado toma posse, legalmente, de um imóvel particular por necessidade, utilidade ou interesse público, com garantia de compensação prévia ao proprietário.
Resultante, principalmente, da especulação imobiliária, o fenômeno da desapropriação tem sido uma problemática comum nas grandes metrópoles, sobretudo, em cidades turísticas como Salvador, onde comunidades próximas à orla ou fronteiriças a grandes condomínios privados ficam à mercê do capital empresarial e suas alianças com governos locais.
Nesse sentido, comunidades como a Baixa do Tubo têm sofrido impactos significativos, como o comprometimento de investimentos públicos para seus territórios e a acentuação do racismo ambiental, que tem empurrado comunidades inteiras para áreas marginalizadas das cidades.
Desapropriação
A desapropriação caracteriza uma violência direta às famílias e também à comunidade, cujo território sofre a interrupção de sua história, memória e vínculos solidários e afetivos.
A sensação de insegurança e temor que paira sobre a Baixa do Tubo, segundo Laís, tem sido potencializada pela presença importuna de pessoas alheias à comunidade. “Às vezes, aparecem engenheiros e conversam com uma, duas pessoas, pedindo pra olhar a casa. E essas pessoas, muitas vezes, carentes de estudo, se sentem coagidas a deixar entrar, e eles até pedem assinaturas, tudo às escondidas”, explicou.
Considerando tal contexto, o projeto Foco nas Infâncias mobilizou pesquisadores da campanha pública ZEIS JÁ para que as mulheres moradoras da Baixa do Tubo e do Sucuiú pudessem participar da rede de articulação pelo direito à moradia e à cidade, que reúne lideranças de movimentos sociais e coletivos de diversos bairros de Salvador.
“A primeira ação em parceria com a ZEIS JÁ foi realizada no dia 13 de novembro de 2024, na Baixa do Tubo. Juliane e sua mãe Josefa, ambas integrantes do grupo de convívio do projeto Foco nas Infâncias, mobilizaram 51 moradores para participar desta roda de conversa. A atividade foi proposta para informar aos moradores o que é uma ZEIS e quais direitos estão previstos em lei para as regiões da cidade assim caracterizadas no PDDU, como são a Baixa do Tubo e o Sucuiú”, compartilhou Christiane Sampaio.
De acordo com Laís Costa, que integra o grupo de mulheres, além do medo constante de desapropriação, a ausência de infraestrutura urbana para as crianças é uma das principais preocupações mencionadas pelas integrantes nas reuniões semanais.
O projeto Foco nas Infâncias: defesa de direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho, é realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a KNH.