Parecer 50 não é diretriz do MEC e caminha na contramão da Educação Inclusiva

“Não existe currículo adaptado, quem se adapta são os recursos de acessibilidade”. Com esta assertiva de Maria do Carmo Passos, professora e formadora da Rede Municipal da Educação de Salvador, a Avante – Educação e Mobilização Social, aproveita o Dia Mundial de Conscientização do Autismo para reforçar seu compromisso com a luta anticapacitista, chamar atenção para o debate urgente e necessário sobre acessibilidade e lembrar que sala de aula não é consultório, como propõe erroneamente o Parecer 50/23.

Diante das problemáticas que constituem o documento e da ávida insistência de grupos interessados por sua homologação, a Educação Inclusiva tem se tornado território de acirradas disputas políticas, no qual a Avante já demarcou lugar.

No último 6 de março, parlamentares e seus convidados se reuniram com o Ministro da Educação, Camilo Santana, para pressionar pela aprovação do documento. Em suas redes sociais, o Ministro compartilhou sobre o encontro e comentou que o compromisso do MEC  “é com o diálogo amplo e o fortalecimento da Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva”. Segundo ele, a pasta avalia o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), mas seguirá uma agenda de diálogos. Espera-se que a moção em defesa da Educação Inclusiva e da não homologação do Parecer, aprovada durante a Conferência Nacional de Educação (Conae), em 30 de janeiro deste ano, também tenha espaço assegurado neste debate.

Na referida proposição, assinada por 66 representantes de organizações da sociedade civil, o texto aprovado na Conae explicita que “ainda que cite todas as normativas nacionais e internacionais que foram ratificadas pelo Brasil para promover uma Educação Inclusiva, ao apresentar suas recomendações e orientações para o atendimento educacional de estudantes com TEA, o parecer caminha na contramão da inclusão plena legitimando a presença de profissionais da saúde ou de outras áreas que não da educação em salas de aula”.

Com a pretensão de se constituir diretriz para orientação do Atendimento Educacional ao Estudante com Transtorno do Espectro Autista, o documento foi elaborado sem a escuta das pessoas autistas e seus familiares, dos professores da Educação Básica e demais representantes sociais. Ao eleger apenas pesquisadores em TEA (Transtorno do Espectro Autista) e em Educação Inclusiva para sua produção, o CNE, revelou, de antemão, o caráter antidemocrático do parecer.

Publicizado como inovador e inclusivo, o documento contradiz sua propaganda. Ao propor a presença de profissionais da saúde em sala aula, o documento reforça o conceito médico de deficiência, que, construído sob estigmas, rotula a pessoa com deficiência como doente e incapaz. A inserção do profissional da saúde nas turmas escolares rompe com a dinâmica de rede construída dia a dia pelos estudantes e professores, desvaloriza o fazer pedagógico docente e induz ao olhar estereotipado dos colegas de classe sobre os estudantes autistas.

De acordo com Maria do Carmo Passos, representante da Coordenadoria de Educação Inclusiva da Secretaria Municipal da Educação de Salvador, que atua, desde 2007, na área do Atendimento Educacional Especializado, “não existe currículo adaptado, quem se adapta são os recursos de acessibilidade; a gente ouve muito sobre adaptação curricular, mas isso retira da criança o direito de acessar o currículo comum. O diferencial não deve estar no currículo, mas nos recursos que darão à criança com deficiência a autonomia para estar nas mesmas condições que os demais. Precisamos entender que as deficiências e barreiras estão no ambiente externo, logo, quando sanadas, a criança passa a ter acesso ao currículo, às brincadeiras e tudo aquilo que é capaz de acessar”. 

Dissociado dessa concepção, o documento imprime uma perspectiva clínica à educação e confere à deficiência o rótulo de anormalidade, e não de característica. Embora as parcerias entre profissionais da saúde e escola sejam válidas e importantes, descaracterizar a sala de aula com a presença de profissionais da saúde é, no mínimo, problemático. Sala de aula não é consultório, tem propósito e funções diferentes, por isso a necessidade de reafirmá-la como lugar de socialização e acolhimento, para que, a partir das vivências e dinâmicas coletivas, as crianças possam aprender, especialmente, sobre diversidade e respeito.

Convidada para participar do grupo de trabalho de revisão dos referenciais curriculares dos materiais da Nossa Rede Educação Infantil (Salvador), Maria do Carmo diz estar atenta a tais questões, uma vez que a Educação Inclusiva é um princípio para toda a Educação Básica e vai além da deficiência. “Entender a inclusão é um processo dinâmico e complexo, porque envolve escutar as famílias para entender as crianças, e, somente a partir daí, conhecer as suas necessidades”. 

Ao eleger exclusivamente o autismo para sustentar seu controverso discurso de inclusão, o Parecer 50 coloca sob suspeição intenções mercadológicas, além de negligenciar o debate central sobre acessibilidade e, consequentemente, sobre os direitos da pessoa com deficiência.

A sociedade brasileira precisa reunir esforços para acompanhar e lutar pelo cumprimento dos marcos legais vigentes, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e a Lei Brasileira da Inclusão (LBI), e, a partir desses dispositivos, desenvolver possibilidades para que todas as pessoas, com e sem deficiência, possam exercer seus direitos e liberdades, em condições equitativas, como assegura a LBI, em seu artigo primeiro. 

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