Memória, representatividade, afetividade, ancestralidade. As experiências vividas pelas mulheres da Baixa do Tubo no museu do Subúrbio Ferroviário de Salvador foram ricas em significado e identificação.
O grupo de convívio das mulheres organizado entre as ações do Foco nas Infâncias: defesa de Direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho, projeto realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a Kindernothilfe, teve a oportunidade de visitar a exposição Memórias de Dona Antônia, em 24 de fevereiro. A ação atende ao propósito de ampliar o repertório cultural e político do grupo, a partir de trocas de experiências com outras comunidades e vivências voltadas à arte, à cultura e ao lazer.
A visita ao Acervo da Laje, que é um espaço de museu independente, foi uma sugestão da equipe do Projeto, que identificou entre as/os moradores da Baixa do Tubo pouca ou nenhuma apropriação da sua história local, durante a realização do diagnóstico participativo feito pela Avante no segundo semestre de 2022. “Conhecer e reconhecer as memórias de quem participou da construção coletiva da comunidade, desenvolve nas crianças e adolescentes o sentimento de pertencimento, que é estruturante para que sejam sujeitos da própria experiência”, afirma Christiane Sampaio, coordenadora do Projeto.
Empolgadas com a possibilidade do passeio, as mulheres e a equipe do Projeto viram no intercâmbio a oportunidade de vivenciar uma experiência cultural e de compartilhar sobre organização comunitária e construção da memória local. “A discussão foi se a gente pediria para Dona Vilma, filha da homenageada, vir ou enviar alguém à Baixa do Tubo para contar a história do Acervo, ou se a gente organizava uma visita à uma exposição no Museu”, contou Luliane Silva, educadora do Projeto. “As mulheres preferiram o ir até lá porque queriam sair da comunidade para passear e aprender um pouco mais”, disse.
A exposição visitada retrata a memória afetiva da comunidade com a história de vida de Dona Antônia, figura importante para a existência do Acervo da Laje, localizado no bairro do São João do Cabrito, em Plataforma, no Subúrbio Ferroviário. Com a sua partida, em 2023, vários artistas foram convidados a produzirem obras de arte a partir de duas fotografias da líder comunitária. Ao contemplarem a exposição, as mulheres do grupo puderam visualizar suas próprias histórias, memórias e ancestralidade.
Como esperado, o intercâmbio cultural abriu janelas para que essas mulheres pudessem perceber possibilidades de atuação em seus territórios, além de terem a oportunidade de contemplar e se identificar com a força e lutas da mulher preta e periférica, sintetizadas na figura de Dona Antônia.
A seguir, algumas referências identificadas pelas mulheres em visita à exposição e suas impressões sobre o diálogo com lideranças do subúrbio ferroviário:
Memória
Das roupas usadas por Dona Antônia, retratadas nas obras artísticas, às experiências de vida da matriarca, compartilhadas pelos mentores da exposição, as mulheres do grupo de convívio acionaram memórias afetivas de suas avós. “Primeiro de tudo, uma exposição sobre uma senhora da comunidade relembra muito as nossas avós, né? Até a roupa que Dona Antônia estava vestindo nos fez relembrá-las. E aí, muitas outras coisas… Algumas falas sobre a história de Dona Antônia, embora se refiram à sua própria vida, remete à vida do coletivo. A trajetória dela e das mulheres da Baixa do Tubo são marcadas e atravessadas por questões muito parecidas”, compartilhou Luliane Silva, educadora que acompanhou as mulheres na exposição.
O perfil da matriarca – benzedeira, parteira, que acolhe as crianças para que as mães possam trabalhar, descreve uma presença importante, sobretudo, para mulheres como Juliane Santos, 34 anos, que reconheceu, de imediato, a Dona Antônia de sua comunidade: “tinha Dona Hilda, que faleceu há pouco tempo, ela quebrava o galho de muita gente, ela olhava o meu filho e de quem mais chegasse; se tava com fome, ela ajeitava comida e dava”.
A exposição despertou nas mulheres do grupo de convívio o desejo de homenagear outras tantas Antônias de suas famílias e comunidades, como argumentou Laís Costa, 26 anos: “A gente teve essa experiência de ouvir a história de Dona Antônia, mas tem muitas mulheres que têm histórias parecidas, mas não são contadas, né?”
“O fato de Dona Antônia ter se envolvido com um marinheiro e depois descobrir que ele era casado, passar pelo processo das violências e constrangimentos, por estar no lugar de amante e, por consequência, ver negados muitos dos direitos dos seus filhos, inclusive o de registrá-los, foram alguns dos pontos de identificação entre as mulheres. Aí eu contei que minha avó passou por situação semelhante. Enfim, houve uma identificação geral”, conta Luliane Silva
Construção da identidade do território
A vivência no Acervo da Laje despertou nas mulheres o sentimento de pertença com a comunidade e sua história. Por ser um espaço de memória artística, cultural e de pesquisa sobre o Subúrbio Ferroviário de Salvador, o Acervo da Laje serviu de referência para que as mulheres percebessem o valor e a necessidade da memória para a construção da identidade do território e de seus sujeitos. “Foi um incentivo pra gente resgatar a história daqui da Baixada direitinho”, comentou Andressa Silva. Laís Costa reforça a sugestão: “como eles tem aquele arquivo de memórias, a gente podia fazer também um aqui, para as pessoas mais velhas contarem a história do bairro. Eu acho legal ter um arquivo de memória da comunidade”.
A equipe do Projeto incentivou as mulheres a levarem adiante o desejo de resgate e preservação das histórias das pessoas e da comunidade. Essas mulheres têm participado do grupo de convívio do Projeto e compartilhado com frequência suas histórias, têm enfrentado a distância e as dificuldades para estar presente, muitas vezes levando os filhos para os encontros. No grupo elas têm pensado e discutido sobre organização comunitária e sobre direitos das crianças e dos adolescentes.
Respostas de 2
Que maravilha Muito importante esse registro e agradecemos muito a visita inspiradora ☺️☺️☺️☺️
Que linda experiência, quanto entusiasmo envolvido,
Que orgulho de Dona Antónia e outras mulheres guerreiras.
Deus abençoe todos envolvidos
Parabéns