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A Educação no contexto do trabalho análogo ao escravo

A evasão escolar no Brasil é a 3ª maior do mundo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (abandono dos estudos é a necessidade de ajudar no sustento da família, trocando estudo por trabalho. Em Aracatu e Teolândia (BA), segunda e quinta posições no Estado em número de trabalhadores resgatados em situação de violação de seus direitos, a escola é trocada por trabalho análogo a escravidão.  Esse abandono acontece, em especial, no período da colheita em Minas Gerais, Espirito Santo e São Paulo, estados que mais recebem esse tipo de mão de obra. Para o enfrentamento do problema, as instituições de ensino desses municípios têm buscado estratégias de adaptação à essa realidade, o que tem se revelado uma possível faca de dois gumes na vida dos jovens, pois as concessões feitas podem colaborar com a naturalização do problema.

Essa realidade foi revelada no documento do Diagnóstico Situacional do Trabalho Análogo ao Escravo nos municípios de Aracatu e Teolândia. A pesquisa, análise de dados e finalização do documento foi realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, como parte das ações do projeto Vozes da Comunidade no combate ao trabalho análogo ao escravo, que é realizado em parceria com a Secretaria do Trabalho, Emprego e Renda do Estado da Bahia (SETRE). Dentre as diversas entrevistas realizadas com atores chave de Aracatu e Teolândia para os Dignósticos, as conversas com os educadores revelaram que o deslocamento, muitas vezes de famílias inteiras, deixam crianças, adolescentes, jovens e adultos fora da escola.

Os professores contaram ter existido um período mais crítico de evasão escolar do que o existente hoje, e com grandes prejuízos no processo de aprendizagem de toda a turma, tanto dos que voltavam da colheita como dos que ficavam na escola, em razão da escola tentar atender aos dois públicos. Na busca por uma solução para a questão, e impotentes diante de um ciclo de pobreza e desconhecimento de direitos que afeta gerações, as escolas, para evitar a perda do ano letivo dos envolvidos na colheita, começaram a criar estratégias curriculares, entre elas a flexibilização do calendário escolar e a criação de um portfólio – espécie de diário do dia a dia na plantação.

Segundo os educadores, as atividades propostas para os jovens para esse período funcionam como uma avaliação, mas também denunciam o sofrimento físico e psicológico a que são submetidos. Durante a pesquisa eles revelaram que, em algumas fazendas, foram colocados em alojamentos em condições precárias, muitas vezes insalubres, expostos a riscos diversos. “É de cortar o coração. Chegam magros, esqueléticos. Vêm com muitos vícios, principalmente de bebida, para suportar o frio e a fome”, contou uma das professoras à equipe da Avante.

Mesmo com essas adaptações no calendário e nas atividades, muitos têm dificuldade em retomar os estudos devido ao estado físico que retornam: doentes, debilitados pelo frio que enfrentam no sudeste do País. Há aqueles que nem conseguem produzir a tarefa proposta. “É muito difícil para os meninos fazerem esse diário, porque o trabalho é muito cansativo, eles quase não têm tempo. O esforço para não perder o ano letivo é muito grande”, observa Judite Dultra, uma das consultoras associadas da Avante responsável pelas entrevistas para o diagnóstico e análise dos dados.

Para Ana Luíza Buratto, vice-presidente da Avante e coordenadora do projeto Vozes da Comunidade, adaptar o calendário às necessidades dos alunos não é um problema quando é por questões culturais ou naturais, como fazem as escolas no Pantanal, que funcionam considerando as cheias. “Mas nesse caso, estamos falando de alunos que muitas vezes saem da escola para um situação de trabalho análogo ao escravo. É uma adaptação para reduzir a evasão, o que é muito importante, mas é uma concessão, não deixa de ser uma forma de naturalizar o problema”, disse.

Famílias inteiras fora das escola reforçam ainda mais a naturalização do problema, geração a geração. “Mesmo que as crianças não estejam trabalhando, pois muitas ficam brincando enquanto as mães e pais trabalham, elas estão fora da escola e aprendendo a ver com naturalidade esse tipo de trabalho degradante”, argumenta Judite Dultra.

Educação no campo

Os jovens, também entrevistados para os Diagnósticos de Aracatu e Teolândia, demostraram vontade de permanecer na terra e trabalhar com agricultura, mas apontam que há falta de incentivo para isso. Judite Dultra conta que, “em um âmbito mais profundo, as entrevistas demonstraram uma enorme falta de perspectiva profissional, e pouca valorização da escola. Eles afirmam trabalhar para investir na sua terra e não vêm a importância da educação para um produtor rural”, disse.

Mas que escola seria essa? Mais atraente e com mais sentido para os alunos do campo? Para Ana Marcílio, psicóloga e consultora associada da Avante, “um currículo de educação integral, voltada para o campo, responderia melhor aos diversos contextos. Uma educação mais organizada no sentido do tempo e do ambiente, com menos muros, menos enclausuramento e mais relação com a vida”, disse.

A fala de Ana Marcilio contempla um conceito de educação integral cujo tempo de aluno na instituição seja vinculado a uma proposta pedagógica definida, com foco na integralidade do sujeito, considerando seu contexto de vida. “É possível trabalhar na escola com questões mais ligadas ao campo e fundamentais nesse contexto, partindo de saberes locais sobre saúde, relação com a geografia, com as plantas, o cuidado com a água e etc. Enfim, fazer uma educação enraizada. Quem tá no campo lida com a vida no campo, e produção de alimento é vida pra eles”, conclui Ana Marcilio.

A normativa do Conselho Nacional de Educação (CNE/2002) afirma que a educação rural deve seguir uma “concepção político pedagógica voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente”.

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