Crianças e adolescentes longe das escolas estão mais vulneráveis a violências física, psicológica e sexual. O aumento do trabalho infantil é outra grande preocupação que aflige os educadores, especialmente na região Nordeste, onde pesa o aspecto cultural que normaliza o trabalho como algo produtivo e bom, mesmo para crianças e adolescentes. No painel “Trabalho Infantil durante a pandemia da COVID 19”, o terceiro da websérie “Diálogos Intersetoriais em Debate – Infâncias, Direitos e Educação com Saúde”, especialistas se reuniram online, no dia 06 de agosto, por meio de canal do YouTube da Frente Nordeste Criança, para discutir a questão e apontar caminhos de enfrentamento ao problema no momento atual e pós-pandemia.
Ao consultor associado da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenador de projetos nessa temática na instituição, José Humberto da Silva, coube a moderação do painel do qual participaram Mallon Aragão, conselheiro estadual dos direitos da criança e do adolescente e Rafaela Gomes, do Centro Cultural Cambinda Estrela. Em sua fala de apresentação, Jose Humberto destacou que compreender esse fenômeno não é uma tarefa nada fácil, haja vista que os números que temos podem obscurecer a realidade, por conta da subnotificação dos dados, desafio que impacta no enfrentamento ao problema. José Humberto lembrou que temos no mundo cerca de 152 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Segundo ele, no Brasil, em 2016, últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE, evidenciou-se a existência de 2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil. Destes, 40 % estão na região Nordeste.
Para ele, “com a pandemia de COVID-19, a problemática se complexifica, pois traz, como efeito secundário, o risco de aumento do trabalho infantil no Brasil. Pois, à medida que a pobreza aumenta, as escolas fecham e a disponibilidade de serviços sociais diminui, mais crianças são obrigadas a trabalhar”, disse, destacando preocupação com ampliação da compreensão cultural, porém equivocada, de que o trabalho infantil é bom, dignifica e prepara o sujeito para a vida adulta. Em contraponto a esse pensamento, o consultora associado da Avante afirmou, enfaticamente, que o trabalho infantil “impacta no desenvolvimento físico e emocional das crianças e impede a continuidade da educação, reproduzindo ciclos de pobreza nas famílias. Além de ser porta de entrada para uma série de outras violações de direitos, como a violência sexual”, disse.
“O que está sendo feito por essas crianças em situação de vulnerabilidade ao trabalho infantil?”, questionou o conselheiro estadual dos direitos da criança e do adolescente de Pernambuco, Mallon Aragão, debatedor do evento. Ele criticou a falta de recursos destinados ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e a dificuldade de assistência social às famílias como entraves para o combate ao trabalho infantil. Para atacar o problema, Mallon defendeu algumas ações como o aumento do investimento em políticas públicas, a ampliação dos canais de denúncias como forma de garantir maior acesso à população, uma renda básica para todas as famílias e a distribuição de alimentos através da agricultura familiar, como formas de proteger as crianças e os adolescentes brasileiros.
A valorização da identidade racial, da cultura e dos direitos dos meninos e meninas que frequentam o Centro Cultural Cambinda Estrela, localizado numa comunidade carente do Recife (PE), foi o tema de fala de Rafaela Gomes, ao compartilhar sua experiência enquanto educadora social no painel. “A gente consegue aliviar um pouco essa pressão da Covid-19”, disse, citando que ações como acompanhamento das atividades escolares e divulgação de informações sobre a doença continuaram a ser realizadas durante a pandemia junto às famílias das crianças e adolescentes que frequentam o centro cultural.
Além de ações de ajuda social – como distribuição de alimentos, máscaras e kits de higiene para as famílias -, Rafaela lembrou que a base do trabalho social é a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente junto aos responsáveis. “A gente orienta os pais sobre como é importante essa criança se desenvolver em sociedade”, disse.
Neste momento, as atenções do Centro Cultural Cambinda Estrela estão voltadas para a voltas às aulas. “Para mim, o mais delicado, como educadora, é este momento de volta às aulas. É uma preocupação minha e de muitas mães cambinenses. A gente quer saber se essas mães estão preparadas para esse retorno pós-pandemia”, pontou a educadora social.
A websérie “Diálogos Intersetoriais em Debate – Infâncias, Direitos e Educação com Saúde” é uma realização da Frente Nordeste Criança, através do Projeto Mandacaru, uma iniciativa de enfrentamento ao coronavírus – segundo afirmou a anfitriã do evento, Sebastiana Nunes. Ela destacou que a Frente é um coletivo formado por representantes de todos os Estados do Nordeste, universidades e diversas instituições – inclusive a #AvanteEducaçãoEMobilizaçãoSocial.