A publicação do decreto de nomeação dos novos 13 (treze) integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), no último 2 (dois) de agosto, provocou reações e muita preocupação com relação à Educação Escolar Indígena. A ausência de indígenas no órgão se soma às demais disputas pelas quais os povos originários têm sido convocados a lutar, sem descanso, desde a chegada dos europeus.
A ausência de indígenas no CNE constitui mais uma perda de território dos povos originários, evidenciando o racismo sistêmico que persiste em reverberar nos espaços representativos e decisórios do país.
O CNE representa a sociedade brasileira na luta pela educação de qualidade e assessora o MEC nos encaminhamentos relativos às demandas educacionais de todo o território nacional. A ausência de indígenas fere o caráter democrático da entidade e contradiz a sua atribuição de lutar por uma Educação plural, inclusiva e de qualidade no país.
Para compreender melhor a relevância da representação indígena no CNE e apresentar os desafios da Educação Escolar Indígena, a partir da realidade da etnia Tupinambá, a Avante entrevistou Katu Tupinambá – ativista do movimento indígena no Brasil e Diretor da Escola Estadual Indígena Tupinambá de Abaeté.
Katu Tupinambá é um professor-formador dos saberes indígenas em ação na Bahia e, por isso mesmo, profundo conhecedor da realidade da educação escolar indígena. Suas vivências na gestão de uma unidade de ensino na Aldeia Santana do Abaeté, em Ilhéus, legitimam o seu posicionamento sobre a necessidade de representação indígena no CNE, para encampar a disputa pela construção de uma educação escolar indígena de qualidade.
Licenciado em Matemática pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e em Ciências da Natureza e Matemática pelo Instituto Federal da Bahia (IFBA), mestre em Ensino e relações étnico-raciais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Katu Tupinambá foi premiado, em 2023, como um dos melhores gestores indígenas pela Casa da África, e está indicado ao prêmio de 2024. A Casa da África, em Salvador, fomenta o reconhecimento de gestores e lideranças indígenas que contribuem, de forma significativa, para suas comunidades e territórios.
Entrevista
O que a ausência de representação indígena no Conselho Nacional de Educação (CNE) significa para a educação brasileira e, especificamente, para a Educação Escolar Indígena?
Toda e qualquer representação indígena em qualquer área governamental e não governamental é bem-vinda, porque assim podemos ter nosso lugar de fala, expor nossos sentimentos e reivindicações. As políticas públicas para as escolas indígenas ainda são poucas perante a grandeza dos territórios etnoeducacionais. Uma cadeira no Conselho Nacional de Educação é essencial para nós, precisamos buscar alternativas para realmente fazer uma educação específica e diferenciada nas escolas indígenas.
Quais são as principais demandas e desafios da Educação Escolar Indígena?
Os grandes desafios são as estruturações das escolas indígenas, formações para professores e publicações de materiais didáticos específicos, visto que temos muitos materiais prontos para publicações. Outro desafio é a carreira dos professores, ainda hoje temos professores recebendo salário mínimo, precisamos adequar e igualar os salários de acordo com a sua titulação.
Você tocou na questão dos professores. Como você avalia o cenário da formação de professores indígenas?
De início queríamos uma escola, mas que escola queríamos? Brigamos e lutamos para abertura de sala de aula, mas quem seriam os professores? Não tínhamos professores formados. Poucos tinham ensino médio, mesmo assim colocamos eles para ajudar nosso povo. No decorrer das ações, vimos a necessidade das formações destes professores, então buscamos, através de reivindicações, e conquistamos o magistério indígena e, posteriormente, a licenciatura. Ainda é muito pouco.
Temos mais de 500 professores indígenas na Bahia, somente 99 concursados. Estamos lutando para novas licenciaturas e um novo concurso, visto que já temos 10 dez anos desde o primeiro. A formação dos professores é essencial para dar aos nossos alunos a confiança e credibilidade de fazer um vestibular e Enem de igual para igual com qualquer outro concorrente.
Qual o significado da escola para o povo Tupinambá?
Quando os portugueses chegaram, eles criaram escolas para nos tirar nossa cultura, nossa língua, e nos ensinaram a vestir tudo à força e dizimaram muitos dos nossos povos. Hoje, a escola indígena existe justamente para preservar, fortalecer e conservar nossa cultura. A cultura se modifica, mas nunca se perde. A escola tem um papel primordial para os indígenas, é nela que discutimos com a comunidade todas as ações a serem deliberadas.
A escola que queremos não é pra dizer que temos escola por merecimento, mas, sim, por estarmos buscando tudo o que tiraram de nós, é por isso que queremos uma escola específica e diferenciada – para ensinar nossos kurumins, futuros guerreiros desta nação, a lutar pelas nossas terras e tradições, dizer quem são os verdadeiros povos dessa nação.
Quais princípios ou práticas a Escola Indígena Tupinambá poderia compartilhar com escolas não indígenas para inspirá-las a promover ou potencializar uma abordagem decolonial?
Os grandes princípios da escola indígena são, primeiramente, o respeito mútuo que temos com nossas lideranças e os mais velhos. Saber preservar a nossa natureza e dizer que ela é nossa vida, é mostrar que a terra é nossa mãe, que nos alimenta e que precisa ser cuidado, assim como a mãe cuida do seu filho com carinho. Também, que somos seres humanos iguais, apenas com cultura diferente. Podemos ser o que eles são, sem deixar de ser quem somos.
Precisamos ter essa consciência, que nós precisamos da natureza, o indígena é a natureza, indígena é a terra; quando maltrata a floresta, está maltratando os indígenas e tudo o que nela contém. Essa é a palavra que todos não indígenas têm que ter no coração.