Avante

Crianças e poesia na Baixa do Tubo, em Salvador

“A poesia é uma coisa relaxante, que você nada sobre as palavras e as letras”. Esse é o superpoder que Naiane, de apenas 11 anos, atribui à presença da poesia na sua vida. Além de escrever, a poetisa mirim moradora da Baixa do Tubo, em Salvador, também gosta de cantar sobre a força da favela, do povo negro e de suas raízes ancestrais. 

Assim como Naiane, muitas outras crianças talentosas participam do projeto Foco nas Infâncias: defesa de direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho – que promove na praça do Sucuiú uma diversidade de atividades artísticas, culturais e brincantes, para que a criançada possa comunicar as suas subjetividades.

No dia 16 de julho, foi a vez de conhecerem e participarem de uma oficina de Poesia Marginal, ministrada por Mona Kizola (@_monakizola) – uma jovem preta, poetisa e comunicadora popular, que encontrou refúgio na arte ainda na adolescência. 

A poesia marginal, segundo ela, “é um desabafo social”. Ao recitá-la, explica Kisola, “eu não falo somente sobre a minha vivência, mas sobre a vivência dos outros que também estão à margem da sociedade – nas periferias, nos quilombos, nas aldeias”. 

O encontro da arte-educadora com as crianças do Foco nas Infâncias surgiu de uma confluência de propósitos e da percepção da arte como meio e mensagem, capaz de empoderar, formar e sensibilizar as crianças a partir dos seus próprios dispositivos de expressão. 

De acordo com Joice Cristina Santos, assistente social do Projeto, ações como essa possibilitaram, por exemplo, que um grupo de meninas realizasse “uma apresentação no Teatro Gregório de Matos”. Segundo ela, “nesse processo de construção da apresentação, surgiram vários momentos de recitais e poesia. Até que, em uma das reuniões, mencionaram o nome de Mona Kizola como possível ponte entre as crianças e a poesia marginal”. 

A oficina

As crianças participaram com entusiasmo da atividade. Realizada na praça do Sucuiú, a oficina começou com uma importante reflexão sobre a palavra FAVELA e os sentidos que ela carrega. 

“No momento de discussão, surgiram muitas reflexões positivas, mas uma fala me chamou muita atenção. Ao ser questionado sobre a sua percepção acerca da palavra, um menino falou que quando pintava a favela, ele via um homem com a arma na mão”, comentou Joice Cristina, com preocupação. 

A resposta espontânea do garoto alertou a equipe do Projeto e a oficineira para a necessidade da formação do olhar, da desconstrução dos estigmas e da desnaturalização da violência. Assim, elas propuseram um exercício diferente para as crianças, que foram convidadas a olhar a favela por outros ângulos. 

A mudança de perspectiva transformou a estética das obras. Os desenhos, textos e poemas ganharam novos traços, cores, contornos e temas. 

“A partir das provocações de Mona Kizola, as crianças ressignificaram sua percepção, trazendo memórias afetivas sobre o território em que vivem. Quem não sabia escrever, desenhou o sentimento com base nas indagações levantadas na oficina”, explicou Joice. 

Mona Kisola, que tem levado a Poesia Marginal para várias comunidades de Salvador, por meio do projeto Circulô Circulando (@circulocrp), compartilhou sobre seu encantamento com a diversidade de talentos na Baixa do Tubo e também com a possibilidade de encontrar crianças brincando, com liberdade, no espaço público.

“Poder chegar lá e ver crianças brincando na rua foi lindo, porque, hoje em dia, não tem mais. É difícil chegar na periferia e ver as crianças brincando. Então, poder rever isso, foi maravilhoso – crianças jogando bola, pintando, brincando de bicicleta, boneca, de tudo. Foi muito lindo! E a forma também como elas se entregaram nas oficinas, foi muito bom, eu amei”.

O brincar livre no espaço público comunitário é uma das tônicas do projeto Foco nas Infâncias, realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a @kindernothilfe (KNH).

Reverberação

A oficina de Poesia Marginal e a própria cultura do território têm fomentado inúmeras possibilidades, uma delas é a realização de uma Batalha de Rima, proposta pelas crianças.

A Batalha de Rima é uma expressão cultural característica das juventudes marginalizadas. São duelos oriundos do movimento Hip hop, em que os competidores improvisam rimas, com proeminência para temáticas sociais.

“Elas sempre falam sobre isso. Essa questão da rima é algo também presente na cultura local. Estamos pensando num momento oportuno para fazer uma Batalha de Rima na praça, de conhecimento, com conteúdos bacanas”, concluiu Joice.

Para conferir parte dos desenhos produzidos na oficina, acesse nossas redes sociais.

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