
No último 10 de abril, a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) divulgou uma carta de agravo, endereçada às autoridades brasileiras e ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), para cobrar um posicionamento efetivo diante dos últimos massacres sofridos por comunidades indígenas.
A morte e carbonização de duas mulheres indígenas e uma criança no incêndio cometido em Dourados (MS), em 31 de março, foi o estopim para a manifestação da Rede que reúne instituições sociais de todo o país, entre elas, a Avante – Educação e Mobilização Social, que também assina a carta.
O crime étnico cometido contra três gerações de mulheres indígenas – mãe, filha e avó – em ataque ao território Guarani-Kaiowá é emblemático e denuncia a continuidade do projeto genocida contra os povos originários iniciado durante a colonização.
As violências recorrentes em diferentes territórios indígenas do país revelam a urgência de um enfrentamento incisivo e inadiável, que deve incluir toda a sociedade. É preciso fortalecer a convocatória pela urgência de políticas protetivas e reparatórias e em favor da responsabilização do Estado pela omissão frente ao genocídio ainda vigente.
De acordo com Maynamy José Santana da Silva, da etnia Xucuru-Kariri e primeiro advogado indígena de Alagoas, um dos elementos que caracterizou por séculos a violência contra os povos indígenas foi a invisibilização da motivação nos autos públicos. Diferenciar, oficialmente, violência étnica de homicídio e outros crimes é fundamental para enfrentar a subnotificação e, a partir de um levantamento mais próximo do real, traçar políticas públicas de proteção.
“A política de segurança pública ou a política notarial dos registros públicos não faz esse recorte. Então, a divulgação dessas mortes só passou a tomar um patamar diferente com o processo de evolução das mídias sociais. A vida inteira esses corpos foram violentados, assassinados e invisibilizados até a hora da sua morte. Então, o primeiro homicídio cometido é pelo Estado brasileiro”, argumenta Maynamy.
- Função notarial – é o serviço de formalização de atos jurídicos, como contratos, testamentos, escrituras, procurações e boletins de ocorrência. No Brasil, os boletins de ocorrência não trazem informações importantes para embasar a investigação dos casos, a exemplo do recorte motivacional: étnico, gênero e etc.
Diante dessa realidade alarmante, dos agravos das últimas ocorrências, e em favor dos direitos indígenas, em especial, das infâncias indígenas, a Avante reforça a manifestação realizada pela RNPI.
A carta reúne os últimos casos de violações dos direitos das infâncias ocorridos em territórios indígenas e, em face desses, aponta premissas importantes para a proteção imediata dos povos Guaraní-Kaiowá e a efetivação permanente dos Planos Nacionais de Direitos e Proteção das Nações Indígenas e demais marcos legais em benefício das crianças e adolescentes, como: o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Comitê dos Direitos da Criança (ONU), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a própria Constituição Federal, a partir do Artigo 227, dedicado à garantia dos direitos das crianças como prioridade absoluta.
A partir do pressuposto apontado por Maynamy Xucuru-Kariri, de que as mídias digitais têm sido uma plataforma importante para visibilizar os movimentos pró-indígenas e pressionar o Estado e segmentos sociais para mudanças, a Avante endossa o empenho da RNPI em seu incansável trabalho pela promoção e garantia do desenvolvimento integral das infâncias brasileiras, principalmente das infâncias periféricas, indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
A Avante ratifica o seu compromisso com as infâncias brasileiras e, neste momento, se solidariza com todo o povo Guarani-Kaiowá, que enfrentam um contexto de insegurança e luto comunitário.