Ninguém melhor que o próprio autor para descrever sua obra. A História do Mal, segundo João Lacerda Cimbleris, “é um livro ilustrado, uma ficção filosófica autobiográfica, que nos convida a pensar sobre a vida e sobre as nossas próprias histórias”.
João e Raphaela Prado, autor e coautora, paciente e psicóloga, ultrapassaram as fronteiras do acompanhamento terapêutico e têm transbordado, por meio de diversas linguagens, narrativas de si em diálogo com o mundo, dos vários mundos que operam conjuntamente para compor a realidade. O livro é “um convite a imaginar, desafiar certezas e provocar novas ideias”, reitera João, um jovem de 24 anos, cadeirante, com uma síndrome congênita que afeta o desenvolvimento global.
Os projetos experienciados e produzidos por João, revelam as múltiplas potências da pessoa com deficiência. Ele, que teve a sua vida “toda atravessada pelo mistério”, explora e utiliza diversas linguagens para se expressar, ocupar o seu lugar no mundo e seguir com a sua jornada investigativa sobre os mistérios universais. Viagem que faz com a sua amiga, terapeuta e desbravadora de possibilidades.
O livro, segundo os autores, é indicado para todas as idades, “para quem é, ou para quem já foi criança; para todas as pessoas que conhecem o Mal, para todas que querem saber mais sobre ele. Para quem é interessado pelos mistérios da vida, e para quem deseja que outros mundos sejam possíveis”, explica Raphaela.
A Avante – Educação e Mobilização Social indica a leitura de A História do Mal para adultos e crianças que não temem trafegar pelos seus sentimentos, comportamentos, medos e subjetividades; e que acreditam que a imaginação é o ponto de partida para transformar a nós mesmos e o mundo.
A narrativa
O livro aborda o confronto do autor-narrador-personagem com um tema central na experiência humana: o mal; e pode ser lido como um mergulho no universo dos desassossegos que decorrem da nossa incansável busca por respostas para a compreensão do mundo, externo e interno.
A obra acessa o leitor em seus próprios incômodos, oportunizando uma leitura para dentro, da obra e de si mesmo; difícil de não gerar identificação ou inquietações semelhantes. O trajeto narrativo traçado por João e Raphaela atrai o leitor para o desafio de seguir com eles na busca pela gênese do Mal.
A história nos remete às inquietudes da infância. Aquelas que muitos de nós, depois de adultos, encontram jeito de escapar, em razão dos próprios medos, falta de imaginação ou indisposição para reflexões mais profundas.
O Mal é um personagem, mas não apenas isso, um visitante que habita o interior do narrador. Como compreender o mal? João e Raphaela vão buscar pistas na infância e descobrem que a “infância do mal foi muito ruim”.
Nesse lugar da narrativa, é possível, inclusive, ser empático com o mal. O Vilão Master, como é chamado o “mal de verdade” em determinado ponto da história, teve uma vida atravessada e acometida por maldades. Resultado de uma infância solitária, por ter crescido “excluído, em um cantinho, sem ninguém para brincar com ele”, o Mal experimentou, ainda pequeno, a tristeza, a rejeição, o medo e o frio. Sentimentos que podem ter contribuído para fazer do Mal um vilão master.
O narrador descreve ainda as diferentes camadas da raiva que precedem o mal, até atingir o ápice que se manifesta com um “plano maligno”. É quando o Mal o transforma em vilão. Aqui, o narrador nos coloca diante de dois tipos de maldade, a original e aquela desconhecida até mesmo pelos cientistas.
O narrador não se vê como um cientista, mas afirma conhecer as duas maldades: o mal original e o mal meio bem.
João e Raphaela nos auxiliam a compreender que é o mal original quem transforma as pessoas em vilãs. É o Vilão Master quem nos pressiona e nos impele a fazer a sua vontade, como alguém que prensa uma borboleta entre as mãos – metáfora que ele utiliza para aclarar nossa percepção.
“O que eu quero? E eu, por que eu virei do mal?”, questiona ele. João busca encontrar-se sem a interpelação do mal, e a sua angústia encontra a do leitor em uma espécie de convocação à autorreflexão.
O autor chega à conclusão de que muitos mundos operam conjuntamente em um mundo só. Para ser mais exato em sua descrição, o autor compara a vida a um tipo de programa de TV que nunca acaba, contínuo e infinito.
O livro é abstrato e complexo, mas paradoxalmente, concreto e simples. João materializa seus sentimentos em personagens, faz analogias, metaforiza as vivências que compõem o seu mundo. João não tem medo de encontrar a história do mal, nem de questionar e expor o mal que o habita. Ele confronta – quem sou eu sem o mal e por que me permiti ser tomado pelo mal meio bem, mas ainda assim, mal?
As ilustrações de Aline Besouro são expressivas e acompanham o enigma da narrativa em três cores – vermelho, roxo e branco. A trama do mal é enigmática, mas, de igual forma, reveladora.
Para quem deseja entrar nessa viagem fantástica ou bater um papo com as crianças sobre os picos de raiva e os atravessamentos que nos incitam a sentir de perto a presença do Vilão Master, o livro está disponível na loja Leia Garupa (clique aqui para acessar).