Avante

Como seriam as nossas cidades se as crianças fossem prioridade na agenda pública local?

Enquanto gestores, secretários e outras dezenas de adultos se reúnem em gabinetes e mesas de negociação para decidir o melhor para os municípios, resoluções muito assertivas podem vir das crianças, que são uma referência fundamental para o desenvolvimento das cidades que tanto sonhamos. 

Basta uma breve reflexão sobre a pergunta que dá título a este texto para percebermos que os pequenos cidadãos são a chave para cidades mais seguras, harmônicas e sustentáveis. Afinal, qual cidade dedicada a proteger os direitos das crianças não investiria em educação, saúde, segurança pública, cultura e lazer?

Para auxiliar e apoiar municípios a abraçarem essa resposta legalmente amparada pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Marco Legal da Primeira Infância, a Avante – Educação e Mobilização Social desenvolve, junto aos governos locais, o projeto Primeira Infância Cidadã (PiC). 

Por intermédio do PiC, realizado, por duas edições, em parceria com a Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, 16 municípios brasileiros aderiram ao compromisso de elaborar e implementar o Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) – instrumento técnico e político que orienta e mobiliza a formulação de políticas públicas com foco nas crianças de 0 a 6 anos de idade, a partir de suas demandas prioritárias.

Para aprofundarmos a compreensão da relevância do PMPI e identificarmos as etapas que compõem a sua formulação, bem como os desafios de sua implementação, convidamos Ana Luiza Buratto, consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenadora-geral do PiC para nos conduzir nesse percurso.

Confira! 

Avante: O que é necessário para a elaboração de um Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI)?

Ana Luiza Buratto: Para a construção de um plano, a gente precisa primeiro formar uma comissão no município, com representação da gestão, das secretarias, do Conselho Municipal de Direitos da Criança, das instituições sociais e, se possível, das famílias. 

Elaborar um PMPI para melhorar o atendimento nas áreas da saúde, educação, assistência, etc., exige conhecer a realidade das crianças no território. E muitos municípios não conhecem. Então, o ponto de partida é a construção de um Diagnósticos Situacionais da Primeira Infância. E isso a gente (Avante) faz junto com eles.

Avante: Como se dá a construção do Diagnóstico Situacional da Primeira Infância?

Ana Luiza Buratto: Por meio de dados quantitativos e qualitativos. Junto com o Comitê Intersetorial, a gente busca os dados quantitativos da situação da primeira infância nos sites oficiais – do IBGE, da Educação, da Saúde etc. Enquanto os qualitativos,  o próprio Comitê Intersetorial do município faz rodas de conversa com a gestão dos órgãos locais, com os conselhos e com a família. E perguntamos: como é que funciona o sistema de saúde aqui? Como está o posto? O que falta? O que não falta?

E assim, junto com eles, chegamos ao Sistema de Garantia de Direitos e investigamos: tem juiz da infância? Tem comarca? Tem Ministério Público? Como é que funciona o Conselho de Direitos na cidade? Como atua o Conselho Tutelar? Então, a gente faz várias rodas de conversa, inclusive e preferencialmente, algumas delas com as famílias, para entender como é o atendimento no posto, para descobrir se há creche para todo mundo, enfim. Então, isso é uma parte do levantamento de dados qualitativos, que devem ser incorporados ao diagnóstico.

Avante: As crianças participam do processo de elaboração do PMPI? De que forma?

Ana Luiza Buratto: Participam! A gente ouve as crianças, por meio de uma escuta qualificada. Para isso, a gente qualifica o município, a partir das suas representações – da educação, da saúde… Porque não é qualquer escuta. A escuta qualificada se dá no contexto da criança, muitas vezes, quando ela está brincando. Então, a gente vai atrás da criança, brinca com ela, e ali a observamos e fazemos perguntas sobre a família, a escola, etc.

Em Cosmópolis, por exemplo, umas das perguntas que fizemos para um grupo de crianças foi – o que seria uma cidade boa para elas? Elas disseram que queriam mais cores na cidade, mais natureza, mais lugares para passear e mais beleza. E houve reclamação: “Na praça, eu queria que tivesse brinquedos novos. Tá tudo quebrado”.

A gente pensa que as crianças não sabem do que precisam, não sabem o que uma cidade precisa para ser boa, então observem o que uma criança de Ubatuba disse: “precisa ter um banheiro no posto para não ficarmos apertados, ninguém pode usar o banheiro do posto!”. 

Então, a criança está dizendo que é ruim ir ao posto de saúde para acessar um serviço e ter que procurar banheiro em outro lugar. 

Moradora da zona rural, essa criança disse ainda: “Precisa também arrumar a estrada, que eles vieram com um tantinho de cimento para arrumar e não deu”.

Em Mauá, outra disse: “o que mais gosto da minha escola é o feijão. Queria muito que tivesse feijão todos os dias”. 

Essa fala diz muito sobre a importância da alimentação escolar. A gente pensa que a alimentação escolar pode ser qualquer coisa, mas tem criança que não se alimenta direito em casa. Essa criança não está pedindo hambúrguer, está pedindo feijão! Então, isso é uma pequena amostra do que as crianças nos apresentam. E tudo isso a gente leva para o diagnóstico, para discutir e elaborar o PMPI.

Avante: Qual o maior objetivo e desafio do projeto Primeira Infância Cidadã?

Ana Luiza Buratto: O maior objetivo do PiC é incentivar que todos os municípios priorizem a Primeira Infância e concretizem essa prioridade num Plano Municipal pela Primeira Infância. Depois, buscamos apoiá-los para que não somente construam o Plano, de forma intersetorial e integrada, mas que implementem os seus PMPI. Então, tirar o PMPI do papel é sempre o maior desafio.

Para ampliar o seu conhecimento sobre o tema, leia: Primeira Infância no centro da agenda municipal e a cidade – Avante

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