Cuidar das cuidadoras #MulheresEmAção no #DiaInternacionalDaMulher

Ana Luiza Buratto é vice-presidente e sócia-fundadora da Avante – Educação e Mobilização Social. A ONG atua desde 1996 na garantia de direitos de crianças, jovens, mulheres, famílias, profissionais da Educação, agentes comunitários e agentes públicos, participantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Nesta entrevista, pela passagem do Dia Internacional da Mulher – celebrado em 08 de março -, Ana Luiza faz uma reflexão do lugar da mulher na sociedade e fala na condição de ser uma delas – ela é mãe de três filhos e avó de sete -, que ocupa um cargo de direção em uma instituição da sociedade civil organizada, que atua há 24 anos em prol de uma sociedade mais justa e equânime.

Avante – Para você o que é ser mulher?

Ana Luiza – Não saberia ser outra coisa (risos). Então, é difícil dizer. Gosto de ser mulher. Nunca, desde criança, pensei em ser homem, apesar de brincar e de gostar, e muito, de estar com os meninos. Fui uma menina muito arteira. Então, essa coisa de mulher vestir rosa e menino vestir azul nunca passou pela minha cabeça. O que é ser mulher para mim… hoje eu diria que é ter sempre a noção da minha força e do meu potencial de transformação.

Avante – Você já sofreu alguma forma de discriminação por ser mulher e ocupar um cargo de alto escalão em uma instituição da sociedade civil organizada?

Ana Luiza – Eu e Thereza [Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante, também sócia-fundadora] seguramente trazemos a história da Avante porque somos as pessoas que contribuíram na idealização e construção de toda a sua trajetória, desde o surgimento. Nesse mundo das ONGs, da sociedade civil organizada, há menos discriminação. Não me senti enfrentando algum tipo de preconceito ao longo desses anos. Raríssimas vezes em algum evento na área de gestão da política pública [onde há forte presença do público masculino] senti algum sinal, porém, como atuamos majoritariamente na área da Educação, estamos sempre entre muitas mulheres fortes e poderosas.

Avante – Como é trabalhar em um ambiente constituído por uma maioria de mulheres?

Ana Luiza – A Avante é uma organização fundada por mulheres, presentes no seu dia-a-dia, e gestada também por mulheres. Isso não é novidade porque as mulheres gestam muita coisa, principalmente a vida. Esse mérito ninguém nos tira. Claro que não podemos gestar sem os homens, sem a célula do masculino. Mas, quem leva na barriga o bebê por nove meses somos nós.
Justamente por reconhecer essa maioria e acreditando no necessário equilíbrio masculino-feminino, sempre fomos cuidadosas para não ficarmos do outro lado do preconceito. Termos a presença dos homens na nossa equipe sempre foi uma busca. Antes, tínhamos dois ou três, hoje temos mais.
Avante – Por que dispensar uma atenção especial à mulher nos projetos desenvolvidos pela Avante?

Ana Luiza – É importante cuidar das cuidadoras, das mulheres que tanto cuidam da vida. No doméstico, na família, a mãe tem um papel indiscutível para uma criança, sem, com isso, querermos desqualificar a importância do pai na vida e no desenvolvimento dela. Mas, considerando que é essa mãe que tem estado mais presente nos primeiros anos e que, em nossa sociedade, esse cuidado ainda é exercido prioritariamente pelas mulheres durante toda a infância e estendendo-se pela adolescência, precisamos dar mais atenção a elas. Temos também uma maioria de mulheres em profissões que têm o cuidado como princípio. Por exemplo: entre educadores, a maioria é de mulheres. Na assistência social, também. O que precisamos é ampliar nossa participação nos contextos políticos, pois, assim, poderá ser expandida a visão do cuidado.

Avante – Na política ainda somos minoria, é verdade, mas percebemos uma forte e ativa participação de mulheres nas lutas pela garantia de direitos…

Ana Luiza – Acredito que a mulher, por possuir, naturalmente, essa responsabilidade na gestão da vida e do cuidado com essa vida, acabou por encontrar caminhos para extrapolar esse cuidado do âmbito doméstico para o público e conquistar um importante papel na sociedade. É perceptível a nossa presença ativa nas áreas de elaboração e execução de políticas públicas e mobilização social. Trabalhamos com os conselhos de crianças e adolescentes, de Educação. Temos participação expressiva nos conselhos tutelares, nos juizados, na promotoria pública ou seja, na área da garantia do Direito.
Avante – Você avalia uma mudança de comportamento da mulher nos últimos 20 anos, desde a criação da Avante para cá?

Ana Luiza – Para mim, essa mulher, na verdade, continua com desafios muito parecidos, porém, tem muito mais voz, se faz ouvir mais e melhor. No início da Avante eu trabalhei diretamente com grupos de mães na Educação Infantil e o que eu sentia era que eram mulheres muito fortes, muito importantes, mas, ao mesmo tempo, a percepção que elas tinham de si era diferente. Não era uma percepção de reconhecimento de toda essa força. Atualmente, acredito que as mulheres têm mais essa consciência, bem mais. Isso vem de toda essa luta, empoderamento e espaços que ela vem ocupando. Hoje, uma mulher se sente em condições de “dar testa” a um homem, e ao mundo, se necessário.
Avante – O que as mulheres ainda precisam alcançar?

Ana Luiza – De uma forma geral, nós estamos vivendo um momento difícil, de muito desrespeito e retrocessos. Então, garantir esse respeito ao se falar sobre a mulher, ou com ela, especialmente quando estivermos em espaços de poder, continua, mais do que antes, de fundamental importância.
Nós já alcançamos muitas coisas. Avançamos na conquista de um melhor padrão de educação, por exemplo. Se olharmos os dados educacionais, as mulheres estão à frente dos homens em termos de formação, desde as classes mais vulneráveis até as camadas mais abastadas, o percentual de mulheres com grau de escolaridade formal é mais alto. Isso nós, aqui no Brasil, alcançamos. Se olharmos para outras partes do mundo vemos uma mulher que ainda está lutando por isso. Historicamente, muitas dessas mulheres que não percebiam toda a sua força eram analfabetas. Hoje, encontro bem menos mulheres analfabetas, mesmo nas camadas mais vulneráveis. Podem estar com empregos precários, mas têm mais acesso à educação. Ainda assim, o que precisamos e podemos alcançar é a garantia de mais respeito.

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