O branco de Oxalá foi a cor predominante no cortejo que fez ecoar o pedido de paz pelas ruas do Engenho Velho da Federação, em Salvador. Ao som de cânticos negros e atabaques, a XII Caminhada pelo fim da violência, da intolerância religiosa, pela paz aconteceu esse ano sob o tema Professoras e Professores, alicerces e pilares da educação, e reuniu uma multidão, no dia 15 de novembro, misturando povos de santo, moradores, representantes de organizações e movimentos sociais, além de autoridades políticas. O evento foi organizado pelos terreiros de candomblé do bairro. Entre eles, o Tanuri Junsara e o Cobre, que integram o IPA – A Força Empreendedora das Mulheres, projeto de fomento a empreendimento de costura criado e desenvolvido com base nos princípios de economia solidária para a produção de moda étnica sustentável, executado pela Avante – Educação e Mobilização Social.
“Nosso enfrentamento é também para o reconhecimento da importância de trabalhar a Lei 10.639, que dá subsídios para que os professores trabalhem a diversidade religiosa dentro das escolas, dando o caminho para que sejam respeitadas nossas tradições. Se o Estado é laico, a gente não pode ficar obrigando os alunos a tratarem de um tema único, de uma religião única, mas da diversidade. Então, a gente está dizendo não à PEC 55, que derruba todo o trabalho da gente, que derruba todo o trabalho dos movimentos sociais. A gente não quer retrocesso para a educação, a saúde, para toda a sociedade”, explica a Ekede Jandira Mawusí, do Terreiro do Bogum, um dos organizadores do evento.
A Avante se fez presente à caminhada representada pela coordenadora do IPA e consultora associada da instituição, Carol Duarte. Segundo ela, participar ativamente de um movimento que os dois terreiros encabeçam é validar o respeito que a Avante tem com as comunidades nas quais trabalha. “É muito importante que a Avante, enquanto organização de educação e mobilização social, esteja presente nesses movimentos de mobilização em favor de uma educação de qualidade. Nós também temos um posicionamento contrário à PEC 55 (PEC 241 na Câmara dos Deputados), e além disso, precisamos estar sempre muito sensível ao que é uma demanda da comunidade, já que o objetivo é promover um fortalecimento comunitário também, não só na geração de renda, mas na valorização dos seus costumes, ancestralidades, seu movimento, sua forma de estar na vida”, disse.
Patrimônio religioso
Realizada pela décima segunda vez, sempre no dia 15 de novembro, a caminhada reforça o pedido de respeito às tradições e à ancestralidade que os povos de terreiro vêm fazendo ano após ano. E não é apenas caminhar, a proposta é debater e multiplicar a mensagem de paz e de união entre as crenças, o respeito mútuo. Antes de cada edição, são realizadas atividades para mobilizar a comunidade e demais terreiros, como seminários, reuniões, bingo, tudo no intuito de integrar apoiadores à luta.
Entre os apoiadores estava o Terreiro Tumbenci, de Lauro de Freitas, representado pelo Ebomi de Iemanjá e antropólogo, Marlon Marcos. “Aqui é um lugar de resistência, expressivo para os povos de santo, povos civilizatórios da cultura brasileira. E como expressão de identidades negras e negro-mestiças, representamos um patrimônio religioso muito grande que deve ser conhecido. É uma religião identitária do povo brasileiro, fundamentalmente da Bahia, e não precisa ser do candomblé para respeitá-lo, mas precisa conhecê-lo para entender que não é esse desenho demoníaco que as pessoas fazem. Temos que ter respeito uns pelos outros, e marchar com a nossa fé, com inquices, orixás, voduns, caboclos, com os nossos encantados. Estamos aqui para isso.”
A força das mulheres
O IPA – A Força Empreendedora das Mulheres é um projeto voltado à geração de renda com base nos princípios da economia solidária e da formação cidadã, com o objetivo de potencializar a força produtiva das mulheres dos terreiros de candomblé. É executado pela Avante – Educação e Mobilização Social, nos terreiros do Cobre e Tanuri Junsara, em parceria com a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE).
O projeto qualifica mulheres com o intuito de formar grupos produtivos de costura para confeccionar as roupas usadas em rituais das religiões de matriz africana. Além das roupas tradicionais aos povos de santo, os grupos são estimulados a criar peças que mesclem o tradicional e o contemporâneo, oferecendo ao mercado um produto de qualidade, competitivo, e que contribua para a geração de renda, autonomia e o empoderamento dessas mulheres.