Na última quarta-feira (31/02), o Salvador Shopping foi palco de um evento de grande importância para a garantia de um dos mais importantes direitos humanos assegurados na Declaração Universal: o trabalho, realizado com dignidade. A exposição “Realidade Oculta – Revelando o trabalho escravo no Brasil”, reúne textos e imagens de trabalhadores, incluindo imigrantes e adolescentes, em situação de trabalho análoga ao escravo, e fica em cartaz até o dia 15 de fevereiro, na área dos restaurantes, localizada no 1º piso do shopping, próximo ao espaço gourmet.
A iniciativa é da Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo (COETRAE-Bahia), que reúne diversos órgãos públicos e entidades da sociedade civil, entre eles a Avante – Educação e Mobilização Social, que participou da montagem da exposição e foi parceira do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na execução do projeto “Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia”. A instituição foi representada no coquetel por Ivanna Castro e Glaucia Borja, consultoras associadas da Avante. Os registros fotográficos selecionados para exposição são de autoria de auditores-fiscais do trabalho, policiais rodoviários federais e integrantes de órgãos que atuam no combate ao trabalho escravo no país.
“Muito tocante poder ver o traço cruel que o trabalho escravo deixa nos corpos e vidas das pessoas submetidas a estas condições. Muito marcante, também, poder ver a concretização dessa ação tão importante da COETRAE, que revela e chama a atenção para essa prática tão antiga e ao mesmo tempo tão contemporânea. Estou na torcida para que a exposição alcance muitas pessoas e possa ter itinerância em outros espaços de Salvador e da Bahia”, disse Ivanna Castro.
“Essa exposição tem, realmente, um papel muito importante. Já se passaram quase 15 anos do assassinato covarde de três auditores fiscais e um motorista, e todos esses anos depois, vemos que o combate ao trabalho escravo no Brasil continua cada vez mais forte, por meio da ação de entidades e instituições”, disse Carlos Martins, titular da Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), que representou o governador Rui Costa na exposição. O secretário faz aos três auditores-fiscais do trabalho e ao motorista do Ministério do trabalho assassinados em 2004, no município de Unaí, em Minas Gerais, durante uma operação de combate à escravidão contemporânea. Para marcar o ocorrido, foi escolhida a data do dia 28 de janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil.
“A nossa preocupação agora é que o Estado brasileiro possa garantir as condições para que o trabalho efetivo de combate ao problema continue. Primeiro, tivemos a publicação da Portaria 1.129 [Portaria MTB Nº 1129 DE 13/10/2017], que era um ataque à inspeção ao trabalho e foi revogada por meio de pressão nacional e internacional. Segundo, a reforma trabalhista, que, infelizmente, visa acabar com a justiça do trabalho e com a inspeção do trabalho. Essa exposição é para mostrar para sociedade isso – o lado oculto de uma realidade onde nós vemos, de um lado, muita riqueza e, do outro, trabalhadores submetidos a essas condições”, completou o secretário Carlos Martins.
A Portaria 1.129, mencionada pelo secretário, foi alvo de grande polêmica nacional, por mexer na definição do que vem a ser trabalho análogo ao escravo no Brasil. A publicação do Ministério Público do Trabalho criou uma polarização entre entidades que representam os trabalhadores e lutam para que a punição seja cada vez mais severa, e para a ampliação da definição de trabalho análogo ao escravo; enquanto entidades representativas dos empregadores, especialmente produtores rurais, buscam a restrição dessa definição, reduzindo a possibilidade de um trabalhador ser considerado escravo.
O trabalho análogo ao escravo é caracterizado pelo exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do sujeito. A escravidão moderna caracteriza-se não somente pelo trabalho forçado ou obrigatório, mas também pela não garantia das condições mínimas de dignidade, sujeitando o trabalhador a tarefas degradantes, exaustivas ou mesmo a ambientes de trabalho inadequados à qualidade sadia de vida. Ainda hoje, só no Brasil, cerca de 160 mil pessoas vivem em situação análoga à escravidão.
Luis Carneiro, procurador chefe do MPT, em sua fala durante o coquetel, disse que a mostra busca plantar uma semente do bem, expondo aquilo que é feito nos bastidores. “É a realidade oculta que hoje é trazida para a sociedade, disse. “Importantíssima, essa interlocução das entidades e instituições com a sociedade. Isso aqui hoje representa, de alguma forma, o acesso que a sociedade vai ter a essas informações. São retratos que revelam um pouco da realidade desses mais de três mil resgatados no estado da Bahia, desde 2003”.
Segundo o procurador, são mais de 50 mil resgatados em todo o Brasil. “O trabalho escravo não é uma coisa do passado. É uma chaga social que encontra guarida, sim, aqui na República Federativa do Brasil, mas que encontra combate também, por autoridades, por órgãos públicos que tem a missão constitucional de proteger o trabalhador, a sua dignidade, o seu labor, buscando o patamar civilizatório mínimo desses trabalhadores. Então, aqui tem retratos, informações daquilo que a COETRAE e a rede de proteção do combate ao trabalho escravo faz”, disse.
Avante pela dignidade do trabalhador
Por meio de parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Avante executou, entre 2016 e 2017, o projeto “Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia”, que teve como propósito contribuir para prevenção e enfrentamento do trabalho em condições análogas à escravidão no estado da Bahia.
O relatório final do projeto, elaboração pela instituição, disponibiliza informações que ampliam o conhecimento sobre o trabalho análogo ao escravo na Bahia, traça um diagnóstico do problema, traz o mapeamento situacional desse tipo de trabalho, a partir de entrevistas com representantes (autoridades, agentes públicos, lideranças comunitárias e trabalhadores) nos dois municípios onde atuou: Tanhaçu e Itambé e que ocupam a primeira e quarta posição, respectivamente, na lista de municípios de origem de trabalhadores em situação análoga à escravidão, já resgatados. O documento vem subsidiando as ações do Governo do Estado nesses municípios.