Representatividade é oportunidade

“O que é importante para nós é que a criança preta no Brasil  que quer brincar com brinquedo preto tenha essa opção”. A frase é do presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Costa, e traz uma dimensão das mudanças que vêm acontecendo no ramo da fabricação e comercialização de bonecas pretas no País. 

Em entrevista concedida à Avante – Educação e Mobilização Social, Costa reconhece que a demanda por brinquedos que reflitam a diversidade do público infantil é crescente e que o mercado tem se adaptado às mudanças: “o Brasil, finalmente, acordou para a demanda, as televisões acordaram, os jornais, a mídia. Eu acho que isso tudo é uma grande onda positiva e a indústria de brinquedos estará rapidinho ofertando o volume que o mercado quiser comprar”, afirma. 

Nas prateleiras, as bonecas pretas correspondem atualmente a 13,6% do total de bonecas fabricadas, segundo levantamento realizado pela Campanha Cadê Nossa Boneca? de 2023 – @cadenossaboneca. “Chegamos a mais de 100% de crescimento no número de modelos disponibilizados para compra no mercado online desde o início deste monitoramento, quando eram 6%”, celebra Ana Marcílio, psicóloga e consultora associada da Avante.

A Campanha nasceu em 2016 como uma grande ação de conscientização via mídia social, que buscou sensibilizar a sociedade sobre a relevância da discussão sobre representatividade no mercado de bonecas, por estas contribuem para formação social e intelectual das crianças, que, desde muito cedo, são apresentadas aos papéis, às normas e espaços sociais reproduzidos em suas brincadeiras. 

O levantamento Cadê Nossa Boneca? é realizado a cada 02 anos em busca de lançar luz sobre a produção e comercialização de bonecas pretas no Brasil. O estudo observa a oferta dos fabricantes afiliados à Abrinq e os modelos de bonecas brancas e pretas presentes em seus portfólios.

Apesar dos avanços, a baixa oferta de bonecas pretas no mercado brasileiro deve ser encarada como uma questão importante e de amplo impacto no desenvolvimento das crianças brasileiras. É sabido que crianças aprendem sobre questões raciais desde muito cedo. Estudos mostram que elas conseguem distinguir características raciais e de gênero antes mesmo de aprender a andar. Entre 2 e 4 anos, internalizam vieses raciais.

O hábito de brincar, contexto de estímulo de aprendizado e socialização amplamente preconizado, deve ser idealmente permeado por ambiente que propicie a diversidade. Parece óbvio, portanto, que num mercado composto majoritariamente pela população negra (IBGE – 56%), a oferta de bonecas deveria representar as características dessa maioria. Mas o cenário segue ainda distante do ideal.

Nesta entrevista com o presidente da Abrinq, ele se mostra otimista com as possibilidades do mercado e sinaliza que a tendência é que a oferta se amplie a cada ano. Confira a entrevista completa!

Avante – A Avante realiza um levantamento sobre a fabricação e comercialização de bonecas pretas no país e observamos que houve uma ampliação de 6% (2016) para 13,6% (2023) do número de modelos disponibilizados. 

Synésio Costa – Nós temos fabricado brinquedos, bonecas para crianças com deficiência há muitos anos. Começamos com as bonecas negras, que vêm crescendo e, à medida que a TV vai mudando, não só essa coisa de Xuxa que tinha, essa coisa toda que a própria sociedade foi tratando de eliminar. A gente hoje, em todas as 15 mil lojas do país, encontra bonecas para todos os gostos, bolsos e raças. 

A gente só não vai entrar em discussão de aspecto de preferência sexual (…) porque no imaginário infantil esse tema não está presente e quem tem que ensinar isso é a escola. Nós lançamos este ano cerca de 35 brinquedos para crianças com diversas deficiências, por exemplo autistas. 

A gente esse ano caprichou bastante e está tudo na loja. Semana da criança, qualquer família que procure brinquedos para seu filho, ele vai encontrar. Nós estamos bem animados! Estamos falando de todas as fábricas, pois a gente representa as fábricas. 

Avante – Por que o senhor acha que o número de bonecas brancas e pretas disponibilizadas ainda é tão desproporcional? Há menos investimentos nessa questão da diversidade das cores dos bonecos ofertados?

Synésio – Nós ofertamos o que o consumidor quer comprar. Era muito perto de zero, há alguns anos atrás. Recentemente, alcançamos 15% do volume de vendas, não de produção porque tem muito estoque, né? 15% do volume de vendas de bonecas não brancas é um número com o qual a gente trabalha. 

Ainda tem muita mãe, muita mãe preta, que, quando a menina pede a boneca loirinha, a mãe compra, entendeu? As nossas atendentes nas lojas têm sido muito influenciadas, treinadas e capacitadas a oferecer tudo, mas, a decisão de que boneca vai comprar ainda é da menina. 

Avante – A gente percebeu que alguns fabricantes, como a Milk e outros, se destacaram em nosso levantamento, por terem um percentual acima de 25% da sua produção de bonecas pretas. 

Synésio – Todo mundo está investindo. A Milk é que não estava no mercado. Quem não está e vai começar qualquer número é grande, né? É uma empresa que deve ter uns 10 anos, ela é nova neste segmento de boneca negra, então, quando ela começou com o número dela, se destacou. Todos os demais fabricantes têm bonecas pretas. Esse tema para nós, de verdade, é um tema bem resolvido. 

Avante – Tem um mercado se formando na área educacional, com a disponibilização de material pedagógico. E, no caso, bonecas fazem parte, quando se pensa na primeira infância, na Educação Infantil. Vocês têm pensado também nessa perspectiva de brinquedos pedagógicos que incluam as diversidades?

Synésio – A gente está, a Abrinq, em nome do setor, tem colocado nossos professores, criadores e designers para trabalhar ainda mais produtos infantis fabricados pela indústria de brinquedos, que, às vezes, tem também alguns games, alguns jogos, alguns cubos, ter uma linha de produtos que atenda, no caso do ambiente estudantil, uma menina preta ou um menino preto. 

A gente já tem pelo menos 28 produtos que vocês chamam de educacionais, mas para mim todo brinquedo ou acessório é educacional. Uma boneca ensina a menina como é chorar, como é ter carinho, como é beijar, como é abraçar, ser abraçada, como conversar. O carrinho ensina ao menino como vai caminhar pra frente, para trás, como é tombar. Então, é tudo muito educativo. A gente não usa mais a expressão brinquedo educativo Todo brinquedo para nós é educativo. Eles passam a noção de valores, de família, de tudo. 

Avante – Na sua opinião, o senhor vê um potencial de crescimento no mercado para, cada vez mais, ofertar brinquedos que atendam essa diversidade?

Synésio – O Brasil, finalmente, acordou para a demanda, as  televisões acordaram, os jornais, a mídia. Eu acho que isso tudo é uma grande onda positiva e a indústria de brinquedos estará rapidinho ofertando o volume que o mercado quiser comprar. Mudou. 

Não tem mais apresentador de TV só branquinho e loirinho. Graças a Deus! Todos eles acabam representando e puxando um bom público. Tem gente que gosta do A, B, C, então, faz propaganda, um marketing, faz um trabalho qualquer nas mídias sociais, então os influenciadores acabam puxando.

Então, há um movimento muito grande. A gente nunca teve problema com gênero, raça, cor, religião, seja o que for, mas agora a sociedade brasileira mudou. O que mudou foi a sociedade. O debate entrou na agenda de todo mundo, de raça, de cor, de religião ou não, LGBTQIA+ – não sei se tem mais alguma coisa que eu não aprendi ainda. Mas, esse tema é muito bem resolvido na indústria de brinquedos.

O que é importante para nós é que a criança preta no Brasil que quer brincar com brinquedo preto, tenha essa opção. E depois, o seguinte: o conceito de brincar – com boneco ou boneca ou carrinho, mudar a cor para nós não tem nenhum problema porque o conceito de brincar é igual para uma criança do Paquistão, do Cazaquistão, da Bahia, de Goianésia, em Goiás, que é minha cidade, do Rio Grande do Sul, de São Paulo, de todo lugar, é o conceito de brincar. 

Você pode ver: nenhuma religião, nenhuma raça, nenhuma guerra, nenhum tipo de abordagem foi capaz de tirar o direito de brincar, a vontade de brincar. Veja os filmes africanos onde têm as crianças pretas quase predominantes, você verá que elas estão brincando ou correndo ou indo na loja.

O brinquedo, ele é supremo. Ele está sobre todas as coisas. A criança não está preparada para saber se é preto, se é branco. A criança é só criança. A gente está oferecendo, cada vez mais, para crianças pretas, muito mais por causa dos pais.

Avante – Tem uma questão de construção das subjetividades, da identificação com o brinquedo, se me vejo nele, se me reconhecendo nele 

Synésio – É por isso que aumentou ainda mais a oferta. É mais de 20%. (…) A criança preta, branca, japonês, chinês, pobre, rico, todo mundo vai ter o brinquedo que quer, que precisa e que gosta.

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