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Pesquisa expõe os mecanismos do trabalho análogo à escravidão em Tanhaçu e Itambé (BA)

Quando se trata de combate ao trabalho escravo, o governo brasileiro centraliza as ações na fiscalização de propriedades, e repressão por meio da punição administrativa e econômica de empregadores flagrados utilizando esse tipo de mão de obra. Não à toa, o anúncio do corte nas ações de combate ao trabalho infantil e ao trabalho análogo ao escravo, no mês de julho, surpreendeu muita gente.
Apesar do fato ter sido desmentido pelo Ministério do Trabalho, que afirmou que as operações para o combate aos problemas terão os recursos garantidos e sem cortes nos próximos meses, o fato reacende o debate sobre como o trabalho análogo ao escravo continua a existir nas sociedades modernas. Só no Brasil, cerca de 160 mil pessoas vivem em situação análoga à escravidão.


Esse tipo de trabalho é caracterizado pelo exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do sujeito. A escravidão moderna caracteriza-se não somente pelo trabalho forçado ou obrigatório, mas também pela não garantia das condições mínimas de dignidade, sujeitando o trabalhador a tarefas degradantes, exaustivas ou mesmo a ambientes de trabalho inadequados à qualidade sadia de vida.


Saiba mais sobre o trabalho escravo


Na Bahia, como no restante do país, as ações de repressão dependem muito de denúncias, o que, em alguns casos, subnotifica o problema. Outro grande desafio é a reincidência: observa-se ainda um índice relativamente alto de retorno à condição de escravidão por parte dos trabalhadores liberados, dada a ausência de políticas públicas eficazes para o combate à vulnerabilidade social. Esses e outros dados compõem o relatório final do projeto “Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia”.


Dividido em duas partes, o documento busca ampliar o que se sabe sobre o trabalho análogo ao escravo na Bahia, e contribuir para a difusão de informações que ajudem a entender o fenômeno. A primeira parte refere-se ao diagnóstico do problema, com foco nas cidades de Tanhaçu e Itambé; a segunda, traz o mapeamento situacional desse tipo de trabalho, a partir de entrevistas com representantes (autoridades, agentes públicos, lideranças comunitárias e trabalhadores) dos dois municípios, que ocupam a primeira e quarta posição, respectivamente, na lista de localidades de origem do maior número de trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo na Bahia.


Realizado com o propósito de contribuir para prevenção e enfrentamento do trabalho em condições análogas à escravidão no estado da Bahia, o projeto foi executado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).


Situação em Tanhaçu


O número de pessoas que saem de Tanhaçu para trabalhar em outros municípios é expressivo, e acontece de forma recorrente a cada ano. A maioria vai para os estados de Minas Gerais e São Paulo, para trabalhar tanto na colheita do café como na construção civil. As razões para a recorrência deste fluxo de saída em busca de trabalho passa por questões estruturantes, que vão desde o enfrentamento da seca no município, a uma cultura enraizada de trabalho sazonal em fazendas de café.


Em uma das entrevistas que constam no relatório, um trabalhador trouxe detalhes de como é o trabalho na colheita do café: “os donos das fazendas procuram alguém daqui, chamam as pessoas e levam de lotação. Algumas fazendas têm condições, outras não. Já voltei antes de terminar o trabalho. As condições eram muito ruins. Apanhava caixas de feira para pôr o colchão em cima, banho frio […] comida, a gente chega, o dono da fazenda vai no mercado e abre a conta. A gente compra toda feira, e quando acaba a colheita, a gente paga”.


Convivendo com uma longa estiagem, o município teve decreto de emergência reconhecido em setembro de 2016. São 10,5 mil dos 21,3 mil habitantes (49,4%) prejudicados com a seca. “Com a falta de água, o jeito é ir para as colheitas. Se tivesse irrigação, eu plantaria. Porque não tem coisa pior que você arriscar a vida! Já fui assaltado uma vez no ônibus. Levou tudo. Os ônibus são clandestinos, não vêm pela estrada por causa da polícia. Vêm por dentro e volta com animais, passarinhos dentro das malas, para a fiscalização não pegar. Alguns acabam morrendo. Fora o perigo com cobras nas plantações que a gente não vê e é todo tipo de cobra perigosa”, ressalta outro trabalhador entrevistado.


Sobre Itambé


O trabalho escravo se manifesta, na atualidade, com características bastante específicas e com muita invisibilidade por parte da sociedade. Na consulta aos atores locais sobre a existência de trabalhadores de Itambé que se submetem ao trabalho análogo à escravidão, grande parte reagiu com estranheza, dizendo desconhecer a existência desse tipo de exploração; embora todos conheçam famílias que vivem em condições precárias, sobretudo as que vivem e trabalham no campo – com alto grau de vulnerabilidade.


A situação socioeconômica, aliada a uma cultura que invisibiliza o trabalho escravo, tornam a mão de obra desempregada e pobre facilmente aliciável, por acreditar ter conseguido um bom emprego, quando o que se apresenta é a exploração em alguma das novas formas de trabalho escravo. Em Itambé, entrevistados apontaram a falta de oportunidade de emprego e renda, a baixa escolaridade e a falta de qualificação do trabalhador como fatores determinantes para a exploração da mão de obra.


Essa realidade afeta tanto o trabalhador jovem quanto o adulto e, principalmente, o idoso, que quase não frequentou a escola. Segundo os profissionais da Educação entrevistados, o índice de evasão escolar é alto, sobretudo na colheita do café, período em que famílias inteiras se deslocam, deixando crianças e adolescentes fora da escola. Alguns até se matriculam no começo do ano, mas não conseguem concluir a série porque precisam trabalhar. Esse ciclo se repete todo ano, o que torna o índice de evasão e de distorção idade-série muito alto.


Já os representantes do sindicato dos trabalhadores rurais revelaram que a entidade tem dificuldades para combater este tipo de trabalho porque o próprio trabalhador não quer sair do emprego. Além disso, esse trabalhador não vê o sindicato como parceiro. E há casos, inclusive, em que é perigoso para o próprio sindicato denunciar a existência desse trabalho, considerando a impunidade como um fator que estimula a exploração da mão de obra.

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