Chegamos ao mês da primeira infância com motivos para celebrar. Os novos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil (PNQEI) foram aprovados e estão em vias de homologação, após seis anos de disputas políticas e morosidade em torno da matéria.
Os Parâmetros são fundamentais para a qualidade da oferta dos serviços educacionais para crianças de 0 a 6 anos, para mobilizar a elaboração de políticas públicas para o segmento e orientar, a partir de padrões de referência, a organização e o funcionamento de creches e pré-escolas.
Os sucessivos retrocessos na pasta da Educação nos últimos governos exigiram uma retomada incisiva das discussões para a construção de uma Educação de qualidade para todas as crianças, iniciada pela necessidade de revisão dos PNQEI.
A atualização do novo documento ocorreu de forma democrática, com reuniões nacionais, consulta pública e ampla participação de consultores e entidades colaboradoras. Mesmo com a emergência de contradições, comuns aos processos participativos, o documento teve 96% de aprovação na consulta pública nacional e foi enviado à Secretaria de Educação Básica em março de 2024, prazo acordado pelo Ministério da Educação (MEC).
A aprovação dos Parâmetros é um passo importante para a garantia dos direitos das crianças e um farol para as instituições de ensino da Educação Infantil – razão pela qual, entidades representativas, organizações sociais e MEC celebraram a oficialização da aprovação no Diário Oficial da União, no último mês de julho.
Para Rita Coelho, coordenadora geral da Educação Infantil (SEB/MEC), passados os desafios para a aprovação, é preciso comemorar, sobretudo, porque “a versão atual tem como forte o enfrentamento da desigualdade”. Segundo ela, a ênfase agora é “na equidade educacional, no direito das populações do campo, das florestas, das águas, dos indígenas, das crianças com deficiência, dos quilombolas. Esse é o forte do novo documento, pois o maior problema do Brasil é a desigualdade”, ressaltou.
Parâmetros aprovados, quais os próximos desafios?
O Estado brasileiro possui relevante capacidade para legislar, mas essa habilidade não se reproduz na execução. Essa incongruência nas políticas públicas do país evidenciam disputas políticas e a exigência recorrente de mobilização social para fazer valer a lei. Para Rita Coelho, embora os PNQEI não sejam uma garantia da qualidade esperada para a Educação Infantil, são um importante instrumento de luta, um passo na construção de uma qualidade.
O documento elaborado a partir de princípios como inclusão, equidade e qualidade, depende ainda de condições orçamentárias favoráveis à sua efetividade. Nesse sentido, Rita Coelho defende a urgência de um investimento federal robusto para a Educação Infantil. “Eu diria que financiamento, formação e infraestrutura são questões que precisam vir à tona”, destacou a Coordenadora.
Assegurar formação contínua aos educadores é uma forma de minimizar as deficiências dos currículos acadêmicos, que não preparam os profissionais para os desafios do cuidado e Educação de crianças de 0 a 3 anos, por exemplo. Segundo Rita Coelho, além da extensa carga horária de trabalho do profissional da Pedagogia, o máximo que temos conseguido é “formar um defensor da Educação Infantil, não um profissional habilitado para trabalhar com bebê, para realizar leitura gestual, facial – formas pelas quais os bebês se expressam. O estudante da Pedagogia pode até ter um compromisso e uma predisposição com criança pequena, mas isso não é suficiente”, destacou.
A Avante – Educação e Mobilização Social foi uma das instituições que participou do processo de atualização dos Parâmetros. Sua contribuição se deu, principalmente, a partir do grupo de trabalho sobre formação contínua dos educadores, defendendo condições objetivas para que a formação ocorra dentro da instituição, com tempos e locais definidos e com o apoio da equipe gestora.
Para garantir a equidade que estrutura os novos PNQEI, é preciso, segundo Rita Coelho, criar uma grande rede nacional de defesa dos Parâmetros, “afinal, equidade tem que ser um objetivo de todos, uma construção coletiva que se dá por colaboração e não por decreto”, argumentou.
Histórico
Os primeiros Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil datam de 2006. O documento foi um marco legal importante na busca pela qualidade da Educação ofertada para crianças de 0 a 6 anos.
Após mais de uma década, o conceito de qualidade na Educação havia avançado, provocando as primeiras reivindicações para a atualização dos Parâmetros, em 2018.
A necessidade de repensar os PNQEI foi movida e inspirada, principalmente, pela discussão exitosa dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, que haviam sido revisados em razão de demandas emergentes do chão da escola, como: a urgência do olhar para as relações étnico-raciais, para as crianças com deficiência, a necessidade de qualidade dos espaços das creches e pré-escolas, entre outros.
Então, em 2018, a Coordenação Geral de Educação Infantil (MEC) assumiu coordenar um processo de atualização dos PNQEI. Versão que, segundo Rita Coelho, não foi amplamente divulgada e não teve fôlego para ser implementada, em razão das mudanças estruturais do MEC, naquele período.
Em 2019, com a criação da Secretaria Nacional de Alfabetização no MEC, houve uma reivindicação pela revisão da versão de 2018, que tinha como característica principal o comprometimento com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na retomada da discussão, “a ênfase passou a ser a Alfabetização, prioridade que chegou a alterar a estrutura do MEC”, ratificou Rita.
Em 2020, o MEC criou outra versão dos Parâmetros e acionou o Conselho Nacional de Educação, na tentativa de ter um órgão mediador das concepções, e com a solicitação de que os novos PNQEI fossem regulamentados; o que não ocorreu. A versão tramitou por mais de dois anos no CNE sem nenhuma resolutividade.
Em janeiro de 2023, sob novo governo, a atual gestão do MEC retoma uma das questões colocadas em debate pela equipe de transição: a necessidade da aprovação dos PNQEI.
Finalmente, em março de 2023, as novas equipes do MEC abriram uma negociação com o CNE, para pedir vistas ao processo, com proposta de mudanças. Nesse diálogo, o CNE avaliou como mais estratégico que o MEC assumisse o compromisso de envio de um novo projeto até março de 2024. Compromisso assumido e cumprido.
Os PNQEI foram aprovados e, muito em breve, serão homologados. Enquanto isso, os municípios se preparam para as eleições locais, período oportuno para a Primeira Infância ganhar destaque no debate eleitoral, integrar propostas de governo e ser prioridade nas urnas.