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OPINIÃO – Educar e cuidar: binômio fundamental na Educação Infantil

Por Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social

Vivemos hoje num Brasil que possui 81,9% dos alunos da Educação Básica fora das instituições de ensino. São cerca de 39 milhões de pessoas, segundo dados do relatório de Educação escolar em tempos de pandemia, da Fundação Carlos Chagas. Diante deste cenário, ao longo de oito meses, temos enfrentado desafios jamais vivenciados e temos sido provocados, mais do que nunca, a refletir a educação como um direito de todos, e a nos perguntar se todas as crianças vêm recebendo a atenção e os cuidados necessários nesse momento. Se elas estão se alimentando. Se elas estão tendo atenção e cuidado e quais as aprendizagens que fazem em casa. Se as famílias estão preparadas para isso. Mais conscientes de que a pandemia do Covid – 19 não passará tão rapidamente como se acreditava, como as instituições estão se preparando para os novos paradigmas que vêm surgindo na Educação?

Estamos quase no final do que seria um ano escolar, com instituições de Educação fechadas, e eu venho me perguntando, constantemente, onde estão as nossas crianças? Quem tem cuidado delas? O que estão fazendo? Como estão vivendo? E o que nós, da Educação, da Educação Infantil em especial, temos feito ao longo desse período? É verdade que as escolas são equipamentos fundamentais na vida das pessoas, mas não podemos atribuir  a responsabilidade unicamente a essas instituições, principalmente porque faltou orientação. Temos ministérios absolutamente ausentes, o da Educação quase inexistente, quando não prejudicial, e o da Saúde incapaz de estabelecer diretrizes para uma coordenação nacional de enfrentamento da crise sanitária sem precedentes. Os órgãos responsáveis nas instâncias estadual e municipal agem conforme a possibilidade e o discernimento de cada um, os conselhos têm sido lentos e, em muitos casos, sem enxergar a especificidade das crianças na Educação Infantil.

Tenho visto muito pouca coisa nos pareceres que tenho lido sobre como trabalhar nesse período com as crianças de zero a seis anos. As reflexões de como nos organizar para quando as aulas presenciais forem retomadas pouco têm contemplado a especificidade da Educação Infantil, no sentido de respeitar este ser criança, como ele funciona, o que ele demanda, o que ele precisa e quais as características e especificidades deste segmento.

A Educação Infantil é constituída de dois aspectos que se complementam – o cuidar e o educar. Assim está formulado na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Não há Educação Infantil sem que esse binômio exista – cuidar e educar. No entanto, por um viés da profissão, ou por um viés característico da nossa sociedade – de base escravocrata -, nós educadores temos nos ocupado mais com o educar, ficando o cuidar como aspecto secundário, em geral designado para outro profissional com menos formação e remuneração inferior, perdendo a integridade do sentido desse segmento. Como professora e alguém que trabalha com a formação de professores, sempre me questiono ao confrontar essa realidade.

Agora, mais do  que nunca, o cuidar aparece como uma dimensão fundamental na vida e uma urgência na Educação Infantil. As crianças perderam o espaço privilegiado  para o seu pleno desenvolvimento e aprendizagem com o profissional formado, em um ambiente preparado especificamente para isso; não contam com a convivência com o grupo, que é onde elas mais aprendem ao encontrar a diversidade na outra criança, no outro adulto, para além de sua família. Nesse momento, nós educadores temos, por dever, que nos preocupar não só em mandar coisas para as crianças fazerem com o pais em casa, onde elas estão vivendo suas experiências, estão interagindo, estão brincando, estão aprendendo também. A questão é que há crianças que não tem condição de fazer nada isso em casa. Como é que podemos exercer a dimensão do cuidar? Todas as crianças estão comendo? Estão recebendo atenção? Estão sendo protegidas da Covid? Da violência?

Por que nós da Educação Infantil não nos prevenimos para cuidar, como fizeram os profissionais da área da saúde, que logo montou seus esquemas de emergência, de modificação de hospitais, providência de equipamentos de proteção, de estabelecer novos protocolos para o trabalho dentro dos hospitais para todos os profissionais?  Por que não formamos comitês nas escolas? Por que não ocupamos nossos espaços e exigimos os recursos e as condições necessárias para operar na emergência? Por que não nos organizamos para pensar onde estão, como estão, e o que podemos fazer para apoiar as famílias e as crianças nesse momento? Para que elas sejam cuidadas, para que não precisem estar nas ruas, para que não precisem acompanhar pais e mães ao trabalho?  O que poderia ser feito?

Não tenho as respostas. Mas tenho a convicção que esta é uma ação que deve ser realizada no coletivo das escolas, na perspectiva da gestão democrática e garantindo a proteção da vida. Os governos municipais são efetivamente os responsáveis pela coordenação dessas ações,  os conselhos teriam que ajudar a orientar as escolas a agirem, tendo em mente que a instituição educacional não se restringe a um prédio. Precisamos de mais mãos, mais pernas. Temos que estar de mãos dadas com a saúde, em especial com os agentes comunitários de saúde, com as equipes da Saúde Familiar que podem nos trazer informações, com os conselhos tutelares na área da assistência, para saber como estão essas crianças. Equipes coletivas intersetoriais que ajudem a cuidar e educar essas crianças em casa, que ajudem e apoiem as famílias a enfrentar esse período com informação, com acolhimento, com afeto, com ideias e com cuidados, até que chegue o momento da reabertura das escolas.

É preciso, inclusive, questionar, refletir sobre o termo retorno, pois é preciso seguir, refazer e reinventar. Precisamos de diálogos que contemplem a diversidade de vozes, pensar como vamos cuidar de crianças tão pequenas, tão dependentes, de cuidados físicos, inclusive. É preciso preservar os professores e demais profissionais. Não será possível voltar como éramos. É preciso estarmos atentos a isso, buscar parcerias, informações, treinamento em saúde. Porque nós não somos profissionais de saúde. Precisamos entender como será o espaço da escola a partir de agora. Precisaremos de mais recursos.

Foram essas inquietações que levaram a Avante a atender ao chamado da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped) para formar um coletivo de 28 instituições de referência dos campos da Educação e da Saúde para refletir, juntas, e se posicionar adequadamente sobre os reais desafios na Educação no pós-pandemia. O coletivo está redigindo um manifesto que traga uma visão crítica sobre o tema, para que juntos possamos nos dedicar a essa imensa tarefa de cuidar e educar as nossas crianças.

 

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