Quem se arriscaria a criar um personagem feio, frágil e aflito para protagonizar seu primeiro livro infantil? A sensibilidade de Ziraldo para perceber o diferente e acolher a diversidade em suas narrativas é, para nós, o seu maior legado.
Após sua recente partida, a Avante – Educação e Mobilização Social não poderia deixar de prestar uma homenagem àquele que, por meio dos seus mais representativos personagens, tanto contribuiu para a literatura infantil e, a partir dela, para uma compreensão mais ampla e afetuosa da vida, do mundo e do outro.
Flicts, publicado em 1969, conta a história de uma cor que não encontrava lugar no arco-íris, nas bandeiras dos países e, sequer, na natureza. Flicts não tinha par, família ou amigos, até Ziraldo senti-lo, lhe dar nome, lugar e milhares de amigos por todo o país. O livro é um despertar para a inclusão, e Drummond o disse muito bem, ao prefaciá-lo: “a vida não é uma série de funções da substância organizada, desde a mais humilde até à de maior requinte; a vida são cores. Tudo é cor… Aprendo isso, tão tarde! Com Ziraldo!”
Por falar em cores, A Turma do Pererê (1959) foi a primeira história em quadrinho totalmente colorida do país. A história que se passa na Mata do Fundão – lugar de muitas árvores, águas, animais e, em seu coração, a aldeia dos ParakatoKas – traz o Saci Pererê, lenda do nosso folclore, como protagonista das aventuras partilhadas com uma galerinha que muito representa nossas terras, entre elas: Boneca, uma menina preta, Tuiuiú e Tininim, crianças indígenas, e outros companheiros da fauna brasileira. A revista em quadrinhos durou cinco anos, até incomodar os ditadores.
Mais adiante, em 1980, Ziraldo nos presenteia com O Menino Maluquinho. Quem não sentiu vontade de vivenciar a infância do menino que tinha vento nos pés? A obra representa essa dimensão livre da infância, onde se é permitido inventar, brincar e voar!
Ziraldo foi mesmo um cartunista e escritor dos grandes. Sua importante percepção para a diversidade e inclusão foi reconhecida pelo governo federal, que acertou em cheio com a publicação da cartilha “Ziraldo, os Direitos Humanos“, em 2008, para divulgar a Declaração Universal dos Direitos Humanos para crianças e adolescentes.
Ziraldo nos deixou no último sábado, 6, mas seguirá como uma das maiores referências para a literatura infantil. Suas obras nos convidam a mergulhar com as crianças num universo cheio de representatividade e aventuras, pois, segundo o próprio autor, “o livro deve deixar a criança apaixonada para ela aprender a conviver com o livro por toda a vida”.
No mundo de Ziraldo, todos tinham lugar! No nosso mundo, ele também sempre terá!
Uma resposta
Criem uma criança negra em cadeira de rodas com dificuldades pensativas inclusa nesse mundo.