“Nada sobre nós, sem nós” 

A construção de soluções para o enfrentamento da violência 

“Quem morre com bala perdida? (…) Isso cansa, isso cansa. (…) Amanhã pode ser eu.  E eu quero entrar na UFBA pra fazer Direito, saber o ECA de cor e salteado e defender os direitos de crianças, adolescentes e jovens”. Este foi o depoimento emocionado do adolescente Uemersom Pereira dos Santos, representante do Observatório do Plano Municipal de Enfrentamento a Violência Sexual e egresso do Projeto Refazendo Sonhos, de Simões Filho (BA).

As palavras de Uemersom ecoaram de modo contundente durante a Roda de Conversa: 30 Anos do “26 de Agosto” no Lobato e a pauta cotidiana dos homicídios infanto-juvenis na cidade, realizada pelo Comitê de Prevenção de Homicídios de Crianças, Adolescentes e Jovens no Município de Salvador, em agosto, no Auditório do Ministério Público Estadual.

Em sua fala, Uemersom também demandou por mais clareza e objetividade nos investimentos nas juventudes: “tem escola que entra verba e sai verba e não sabemos onde está o dinheiro (…). São vários pré-requisitos para ser Jovem Aprendiz. Cadê os cursos gratuitos para os jovens? (…) Os projetos que temos acontecem sem ajuda do governo. (…) Eu sei o jeito mais fácil de fazer dinheiro: na boca de fumo, mas eu não tô lá. O que o governo faz pra gente?”.

O desabafo do jovem, que estava na platéia, foi representativo dos dados alarmantes de violação de direitos dos públicos infanto-juvenil e das falas apresentadas pelos que estavam na mesa. Em comum, além de inúmeras reivindicações, a defesa por uma política de segurança pública que dê respostas aos inúmeros problemas que atingem não só Salvador, mas todo o estado da Bahia.

A Bahia ocupa o primeiro lugar do país em número de mortes decorrentes de intervenção policial, com 1.464 óbitos, que correspondem a 23% de todo o país, segundo dados coletados em 2022 e publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em julho/23. Além disso, o estado concentra seis cidades entre as dez mais violentas. Informações sobre esse estado de violência marcaram a abertura da Roda, feita pela anfitriã do evento, Ana Emanuela Meira, representante do Ministério Público da Bahia. 

Relatos de ações violentas em bairros populares e contra jovens negras/os foram enfatizados na apresentação de Nadjane Cristina, militante do Movimento Sem Teto da Bahia, ativista dos Direitos Humanos, assistente social e membro fundadora do Coletivo Incomode, criado para denunciar a violência contra as juventudes do Subúrbio Ferroviário de Salvador – cidade que ocupa o 12º lugar no ranking nacional, com taxa de 66 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes. Os dados do Anuário se baseiam em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civil, militar e federal.

“Eu tô cansada de pessoas que não pisam onde eu piso discutir as minhas dores e não me ouvir. Nada sobre nós sem nós”, reivindicou Nadjane ao cobrar por políticas públicas de segurança que sejam feitas com e para proteção das pessoas, considerando suas realidades. 

“Políticas públicas para crianças e adolescentes têm fragilidades. Até quando vamos escutar isso? Até quando essa fragilidade vai existir? Até quando direitos de crianças e adolescentes serão infringidos por quem deveriam estar nos protegendo? O art. 227 da Constituição fala que criança e adolescente são prioridade absoluta. Prioridade absoluta de quem? Infelizmente, a única criança e adolescente que são prioridades absolutas não são da minha cor. São crianças que não estão na periferia porque senão, não morreriam tantas crianças negras, tantos adolescentes negros e tantos jovens negros. Até quando crianças e adolescentes vão morrer?”, questionou Antonio, também integrante do Observatório do Plano Municipal de Enfrentamento a Violência Sexual e egresso do Projeto Refazendo Sonhos, de Simões Filho (BA).

Entre os integrantes da mesa do evento, também estavam Yulo  Oiticica, propositor do PL que resultou na aprovação da Lei Estadual nº 9.590, que instituiu o Dia Estadual de Enfrentamento e Combate aos Homicídios e à Impunidade; Maurício Freire, ex-advogado do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA) no ano de 1997, quando houve o julgamento dos acusados no episódio conhecido como a “Chacina do Lobato” em Salvador; Mariana Castro, do MPBA; e Gisele Aguiar, da Defensoria Pública do Estado.

Ana Emanuela Meira, do MP, ressalta o importante papel do Comitê interinstitucional, “formado por organizações da sociedade civil e poder público, que atua para sugerir políticas públicas adequadas para prevenir e combater a violência letal contra crianças e adolescentes”, reforça.

Em sua apresentação, Yulo  Oiticica trouxe uma matéria de jornal, veiculada em agosto de 2020, denunciando grupos de extermínio. “Para que pena de morte com tanta morte sem pena?”, questionou ao trazer que as saídas “mais fáceis” e violentas, como redução da maioridade penal e pena de morte, são sempre acionadas em momentos de crise. 

Sobre a atuação do Comitê

O Comitê tem se configurado como uma instância importante que reúne diversas representações do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) – articulação das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil responsáveis pela promoção e pela proteção dos direitos da criança e do adolescente. A próxima reunião, aberta a interessados, será realizada no dia 06/09, das 14h às 16hs, no Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (CAOCA), do MPBA, na 5ª Avenida, n° 750, no Centro Administrativo da Bahia.

“Este evento marca a retomada das atividades do Comitê, que estavam suspensas desde a pandemia do Covid 19. O mote das discussões foi o “26 de Agosto”, que rememora o evento “Chacina do Lobato”, ocorrido 30 anos atrás nesta data. Acho que foi um encontro importante neste momento desafiador, onde refletimos sobre a importância de garantir a voz ao povo negro de nossa cidade e pensarmos estratégias de prevenção e reparação diante do trágico quadro de mortes de nossas crianças, adolescentes e jovens”, explica Marcus Vinicius Almeida Magalhães, coordenador técnico do Núcleo de Atendimento, Orientação e Apoio às Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência (Navi) e secretária executivo do Comitê.

Chacina do Lobato

Quatro adolescentes estavam a caminho da escola quando foram abordados perto de um viaduto próximo à estação de trem de Salvador e mortos a tiros. Desde então, o Dia Estadual de Combate aos Homicídios e à Impunidade – dia 26 de agosto, em alusão ao crime – é marcado por debates, denúncias e reivindicações por políticas de segurança para as juventudes. 

#AvanteEducaçãoeMobilizaçãoSocial por uma #FormaçãoCidadã 

#26deagosto

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