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Mulheres da Baixa do Tubo participam de Cine Debate sobre Trabalho Doméstico

O trabalhador doméstico no Brasil tem gênero definido, idade e até cor da pele. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (PNAD/2023), 90% das pessoas que trabalham na casa de outras pessoas são mulheres, negras, com média de idade de 49 anos e mais da metade (2/3) não possuem carteira assinada. Um retrato da maioria das mulheres que integram o Grupo de Convívio do projeto Foco nas Infâncias – defesa de direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho, comunidade de Salvador (BA).

Com intuito de ampliar a percepção crítica das participantes sobre seus direitos e refletir sobre o trabalho infantil doméstico, o Projeto reuniu o grupo de mulheres para o Cine Debate sobre Trabalho Doméstico, quando foi exibido o documentário Digo às companheiras que aqui estão, seguido de roda de conversa. O encontro aconteceu no dia 27 de abril, Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas, no Colégio Estadual Satélite.

O documentário conta a história de Lenira Carvalho, importante liderança das trabalhadoras domésticas no Brasil. Lenira é uma alagoana, filha de mãe solo, negra, trabalhou 16 anos na casa do padrinho, filho do dono do engenho, onde cresceu com a mãe. Lenira representa todas as mulheres que iniciaram, ainda na infância ou adolescência, o trabalho “em casa de família”.

“Eu gostei do filme, porque falou sobre mim também. Eu comecei a trabalhar com 12 anos. Não sei ler direito, porque eu tinha que trabalhar. Eu não brincava, não tive juventude. Eu tinha que sair da escola para trabalhar. A mulher dizia que ia me ajudar, e eu não ganhava salário, não. Ela me dava uma roupa, dizia que eu era filha dela, mas não era não, era uma escrava mesmo”, contou Sheila Brandão, que hoje trabalha como diarista.

Vanilda Brandão, que participou do evento com a sua irmã, e também integra o Grupo de Convívio, disse ter gostado do documentário, principalmente por se identificar com os relatos de Lenira: “Eu trabalhei quando era de menor, trabalhei na casa de parente e não ganhei nada. Ganhei, sim, só desprezo”, desabafou Vanilda, e continuou, “já trabalhei também na casa de pessoas. Só porque eu manchei uma camisa com água sanitária, sem querer mesmo, a pessoa disse que ia jogar água sanitária em mim. Eu, que nunca fui de levar desaforo para casa, disse: “então, você rume!”. E ela respondeu: “Você é uma preta, uma negra ousada”, relatou a diarista.

Os relatos de Sheila e Vanilda expõem a relação do trabalho doméstico e do racismo com as raízes históricas da escravidão. A exploração da mão-de-obra da mulher negra em tarefas domésticas, sem remuneração e demais direitos trabalhistas, mesmo após o reconhecimento do trabalho doméstico como profissão, pela Constituição de 1988. A pauta é necessária para conscientizar mulheres pretas e periféricas a se organizarem politicamente e encontrarem apoio em organizações comunitárias e sindicais, como abordou o filme.

Bate-papo com Sindicato

A atividade foi mediada por Milca Martins Evangelista, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, e contou com a participação de Sophia Branco, coordenadora da publicação “Caminhos para pensar o Brasil com Lenira Carvalho”. Nas discussões, foram abordadas temáticas referentes à desigualdade social, racismo estrutural e diversas opressões que subjugam trabalhadoras domésticas brasileiras.

“Foi muito importante levar o sindicato até a Baixa do Tubo e o Sucuiú para falar sobre os direitos trabalhistas e as violências no local de trabalho. Esperamos dar continuidade a este diálogo para fortalecimento das mulheres destas comunidades”, disse Milca Martins Evangelista, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia.

A atividade do Cine Debate integra a proposta do Foco nas Infâncias, projeto realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a Kindernothilfe (KNH). Outros encontros para o Cine Debate estão previstos para promover acesso à informação e estimular um posicionamento crítico diante da realidade social. “Quanto mais este grupo de mulheres estiver consciente dos seus direitos e dos espaços possíveis de serem ocupados para exercerem a sua cidadania, mais estarão preparadas para assegurar às suas filhas e filhos os direitos à participação e proteção integral”, acredita Christiane Sampaio, coordenadora do projeto.

O que fazemos com o nosso tempo? 

Após o filme, a reflexão sobre “O que fazemos com o nosso tempo?” enfatizou a importância do lazer e autocuidado. “Esta atividade revelou o quanto essas mulheres negras e trabalhadoras domésticas dedicam a vida à função de cuidar de outros”, relata Luliane Santos, assistente social que atua no Projeto.

A atividade permitiu perceber a discrepância entre as rotinas de uma mulher negra, mãe e trabalhadora doméstica e de um homem negro. Enquanto a mulher trabalha o dia todo, e ainda tem o trabalho doméstico à sua espera no final do dia, limitando o tempo de descanso entre uma terceira ou quarta jornada que, quase sempre envolve um trabalho extra para adicionar renda – como relatou algumas participantes da roda; o homem negro tem o tempo a seu favor, tanto para refletir sobre a vida quanto para dedicar-se a rotinas de autocuidado.

Luliane, que também é uma mulher negra, destacou a importância da reflexão conjunta na busca por uma justa divisão de tarefas que proporcione às mulheres tempo para o autocuidado. Após a atividade, as integrantes do Grupo de Convívio do Projeto sugeriram um dia para caminhar na Orla de Salvador, para priorizar o tempo à atividade física e ao cuidado com a saúde.

Uma resposta

  1. Precisamos separar o que é de fato empregada e diarista. Acho esse índice muito alto. Normalmente quem tem empregada domésticas fixa, tem um padrão de vida que suporta os encargos

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