No Dia Internacional da Mulher, quando mulheres de todo o mundo utilizam a data para, principalmente, rememorar conquistas políticas e reivindicar outras em curso, as mulheres da comunidade da Baixa do Tubo escolheram brincar.
Virgínia Maria Brandão e outras mulheres do grupo de convívio do Sucuiú, no bairro Alto do Coqueirinho, decidiram celebrar a data com brincadeiras no campo de futebol da rua. A ideia, segundo a moradora, era de que as mulheres pudessem levar suas crianças interiores para se divertir. “A gente pode crescer, ser mãe de família, mas a gente ainda tem uma criança dentro da gente. Às vezes, a gente tem que tirar ela de onde está pra gente poder se divertir um pouco”.
O brincar foi uma proposição feita pelas próprias mulheres da comunidade, em reunião prévia no grupo de convívio organizado pelo projeto Foco nas Infâncias: defesa de Direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho, realizado na comunidade pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a Kindernothilfe, desde outubro de 2023, para o fortalecimento da participação cidadã de crianças e adolescentes no território, estimulando sua presença e convívio no espaço público comunitário, a valorização do cuidado, da proteção, do respeito às diferenças e a redução das violências.
A atividade celebrativa ocorreu na “praça” (pedaço de calçada) localizada ao lado do campo de futebol Sucuiú, espaço utilizado pelo Projeto para realização de encontros semanais do grupo de convívio das mulheres e atividades de brincar livre com as crianças, quando os homens jovens e adultos não têm programação.
Nas rodas de conversa, muitas participantes compartilharam imagens positivas de suas infâncias e o desejo de revivê-las, e escolheram o dia 8 de março. A data é um marco em todo o mundo para lembrar e celebrar as conquistas das mulheres na superação histórica e processual das cicatrizes que o racismo e o machismo estrutural deixaram em suas vidas, levando-as, muitas vezes, a ter que acessar a vida adulta precocemente. Esse grupo encontrou, por meio do Projeto, uma forma de escapar por alguns instantes desses desafios e permitiu a suas meninas interiores voltar a brincar. “A gente lembra de casa, dos filhos e esquece da gente. Esquece que um dia a gente foi criança, que a gente tem uma criança dentro da gente”, reiterou Dona Virgínia, como é conhecida na comunidade.
8 de Março
A vivência do 8 de março iniciou um movimento importante, uma vez que as mulheres do grupo já esboçavam o desejo de participarem das brincadeiras e dinâmicas do Projeto. Para Christiane Sampaio, coordenadora do Foco nas Infâncias, a experiência é importante, sobretudo, para o fortalecimento de vínculos do grupo formado por mulheres de várias gerações – adolescentes, jovens, adultas e idosas. “Foi um momento de cultivar afetos positivos, a partir de uma ação idealizada de forma autônoma e no coletivo. Brincar junto abre caminhos, brechas que reanimam a dimensão do sensível, o espírito do viver e fazer partilhados”, disse.
Com 49 anos, Dona Virgínia pôde se permitir ser criança outra vez, e garantiu: “Nunca corri tanto como hoje: baleô, amarelinha, pedrinhas. Vou até me pesar para saber quantas calorias eu perdi com essa correria toda, mas foi muito gostoso, foi show de bola o nosso dia da mulher!
A promoção e potencialização de vivências intergeracionais na comunidade, por meio das ações realizadas no escopo do Projeto, é resultado da escuta, do respeito e da participação coletiva, e as mulheres são sujeitos importantes desse processo. Segundo Christiane Sampaio, “o diálogo com as mulheres no território é fundamental para fortalecimento de confiança, de licença e permissão para estarmos com as crianças e adolescentes que ali vivem”. Por isso, uma das estratégias utilizadas, segundo Igor Sant’Anna, mobilizador do Projeto na comunidade, “tem sido encontrar as crianças no mesmo dia da roda de mulheres, para iniciar um diálogo com seus filhos”.
Após provarem que não há idade específica para brincar, certamente as crianças e adolescentes da Baixa do Tubo terão que compartilhar, com mais frequência, a bola e o campo com as mulheres.
Ocupando o território
A ‘praça’ (ou pedaço de calçada), localizada ao lado do campo de futebol Sucuiú, vem sendo utilizada pelo Projeto para realização de encontros semanais do grupo de convívio das mulheres e atividades de brincar livre com as crianças. Apesar das limitações deste espaço, é o local onde as crianças usualmente brincam no horário dos encontros, mesmo imprensadas entre uma pista que passa carros, um pequeno pedaço de calçada e um chão de asfalto que dá acesso ao campo.
O campo de futebol é utilizado pelas crianças e pelas mulheres quando os homens jovens e adultos não têm programação. Durante as brincadeiras na ‘praça’ do Sucuiú, as crianças se refugiam em uma única árvore que também sofre, da mesma maneira, com a falta de prioridade no espaço público comunitário.