Mais uma vez, e sempre, não à educação domiciliar

Por que a Educação domiciliar (homeschooling) pode representar um risco? Risco a quê? Para quem? A pauta ronda a sociedade brasileira e ameaça direitos de crianças e adolescentes desde 2012, com o PL 3.179/2012. Ressuscitada pelos partidários do governo Bolsonaro durante os anos pandêmicos, a agenda tem provocado forte reação da sociedade civil. Esse ano (2023), mais uma vez, a proposta de regulamentação da educação em casa volta a deixar os defensores de direitos em alerta com o retorno da temática como PL 1.338, de 2022, que tramita no Senado. 

O PL 1.338/2022 propõe alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. O Projeto tramita no Senado Federal representando um risco extremo à garantia de direitos de crianças e adolescentes de todo o país e provocou a manifestação de mais de 400 entidades que atuam na área de Educação

Alguns pontos precisam ser destacados sobre a proposta. O primeiro deles é a desresponsabilização do Estado na garantia dos direitos básicos de crianças e adolescentes, desconhecendo a Educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, art. 205, da Constituição Federal/1988. 

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação destaca, em seu site, alguns argumentos, sistematizados em 14 pontos, embasados por pesquisas sistemáticas sobre o tema, “que abordam desde aspectos legais até os que estão relacionados com a garantia do direito à educação e à proteção de crianças e adolescentes”.

No bojo dos impactos negativos para a garantia de direitos, a Campanha destaca o fato de que educar crianças em casa é um pensamento elitista, pois desconsidera as inúmeras realidades e desvaloriza os docentes. Além disso, a proposta não possui apoio popular – 8 em cada 10 brasileiros demonstram rejeição à proposta.

VEJA NO SITE DA CAMPANHA (LINK: https://campanha.org.br/noticias/2023/11/30/contra-a-educacao-domiciliar-campanha-produz-nota-tecnica-sobre-o-projeto-de-lei-13382022-que-tramita-no-senado-federal/

Outro ponto é que a escola é um aparato preventivo e protetivo, de reconhecimento e direcionamento de eventuais violações que afetam a segurança desse público. A regulamentação da educação domiciliar pode contribuir para o aumento da violência doméstica e de abusos contra crianças e adolescentes.

Ainda na linha o direito à proteção, do elitismo e baixo apoio popular, a educação domiciliar recebe, historicamente, apoio de algumas famílias de crianças e adolescentes com deficiências e superdotação/altas habilidades, cansadas das barreiras e desafios encontrados nas escolas e dispostas a assumir a formação de seus filhos em casa.

É preciso levar em consideração que as famílias com crianças e adolescentes, com ou sem deficiências e superdotação, que intencionam adotar uma educação domiciliar estão subtraindo de seus filhos as relações interpessoais proporcionadas no ambiente escolar, que desempenham papel fundamental no desenvolvimento cognitivo. Adiciona-se a isto, a violação de tantos outros direitos, tão importantes quanto o acesso a um ambiente diverso de aprendizagens. 

Direitos estes que são garantidos a todas(os) pelos marcos legais brasileiros, sem diferenciação de etnia, gênero, classe social ou mesmo sem levar em consideração uma construção social capacitista. Não à toa, a proposta (PL 1.338/2022) busca uma alteração no ECA e na LDB, pois estes marcos legais, em consonância com a Constituição Federal (artigo 227), garantem o direito ao convívio comunitário como um direito fundamental, com a mesma importância do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade. 

Excluir a criança e o adolescentes do convívio com outros colegas, em um contexto de construção coletiva dos conhecimentos (e aqui não estamos falando apenas de conteúdo programático), retira deles a possibilidade de escolha – escolha dos amigos, escolha das aprendizagens dentro da diversidade, de uma construção social e visão de mundo próprias, só possíveis para além das fronteiras familiares, pondo em risco o desenvolvimento da autonomia das crianças e dos adolescentes. 

A Avante – Educação e Mobilização Social tem como princípio a defesa de direitos, em especial o de uma Educação de qualidade para todas e todos. Por isso, entendemos ser necessário priorizar as necessidades e direitos da maioria, sem privilégios. Um Projeto de Lei como este desvirtua a atenção de discussões e ações que visam a garantia da oferta de um serviço de qualidade na Educação pública do País, como um orçamento justo e formação continuada dos profissionais, por exemplo, para discutir acompanhamento, avaliação e outras demandas geradas pelo fato dessas crianças estarem fora da escola, em situação de ensino domiciliar, deslocando recursos humanos e financeiros do setor.

Num País de dimensões continentais como o Brasil, a educação domiciliar vulnerabiliza crianças e adolescentes que venham a ficar afastados da escola, que se constitui como um espaço fundamental para acesso dos estudantes a direitos básicos como alimentação saudável, cultura e o já mencionado direito à convivência comunitária.

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