
A linguagem técnica, rebuscada e o uso de jargões presentes nos documentos públicos impõem ao cidadão as mesmas barreiras que os conteúdos didáticos ocasionam às crianças com dislexia, deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, TDAH, ou outros desafios de comunicação. Em todos esses casos, a falta de acessibilidade textual – linguística e cognitiva, compromete um princípio democrático fundamental: o direito à informação — que só se realiza plenamente com acessibilidade comunicacional.
Enquanto escolas e famílias investem em iniciativas isoladas de apropriação da Linguagem Simples (LS) em materiais e práticas pedagógicas, na perspectiva da educação inclusiva, a Administração Pública cruzou a linha de chegada com a instituição da Política Nacional de Linguagem Simples (PNLS), em 14 de novembro.
A partir de agora, órgãos e entidades administrativas de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverão observar os princípios e objetivos da LS, para que todos os cidadãos consigam encontrar, entender e se apropriar da informação pública, contribuindo para maior participação e controle social.
De acordo com pesquisa realizada por Heloísa Tavares, Adriano Rosa e Márcia Teixeira, da Universidade Federal Fluminense, que remonta o panorama histórico da Linguagem Simples (LS), esse é um movimento que surge nos anos 1970 em países de língua inglesa, principalmente Estados Unidos e Reino Unido, com o propósito de democratizar a informação, com foco na transparência de documentos legais e comerciais.
As iniciativas brasileiras de LS, no entanto, começaram com a produção de cartilhas e programas formativos, fomentados por institutos, organizações e laboratórios governamentais, que inspiraram políticas estaduais e ações particulares de órgãos públicos, reivindicando, de forma indireta, a necessidade de uma política nacional.
No Brasil, os elevados índices de analfabetismo funcional, somados ao reconhecimento dos desafios de comunicação e leitura enfrentados por pessoas com deficiência intelectual, neurológica e com transtornos de aprendizagem, contribuíram para que a LS começasse a ser vista como uma estratégia pedagógica importante para a educação inclusiva, embora ainda não tenha conquistado um lugar de destaque no campo da política educacional.
Guia Acessível
As primeiras experiências da Avante – Educação e Mobilização Social com a Linguagem Simples foram referenciadas pelo Guia Simples Assim: comunique com todo mundo, lançado em 2023 e coordenado por Patrícia Almeida – Jornalista, Mestre em Estudos sobre Deficiência e especialista em Comunicação Digital Acessível.
No mesmo ano de publicação do Simples Assim, a Osc Avante assumia a tarefa de atualizar os materiais pedagógicos do Programa Nossa Rede Educação Infantil, da Secretaria Municipal da Educação de Salvador (SMED). A instituição aceitou o proposta de revisar e atualizar, de forma participativa e colaborativa, o Referencial Curricular Municipal para Educação Infantil e os materiais pedagógicos do Programa. A atualização tomou como referência os marcos legais da Educação brasileira: Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Na busca por fazer valer a LBI, a Avante fez uso da Linguagem Simples nos materiais para profissionais, famílias e crianças. O Guia Simples Assim tornou-se, portanto, instrumento de apoio e referência para todas as etapas de reformulação dos materiais pedagógicos do Nossa Rede. Dessa confluência de propósitos e experiências ocorridas em 2023, nasceu o Guia Acessível – manual produzido pela Osc Avante, que sistematiza as aprendizagens do Simples Assim e amplia aspectos da LS para a produção de materiais formativos.
Subsidiadas pelos princípios da Linguagem Simples, as publicações do Programa Nossa Rede contemplam diferentes possibilidades de acessibilidade. “Nos materiais para crianças, além da Linguagem Simples, foram utilizados Comunicação Alternativa e Aumentativa, disponibilizadas experiências em libras e Braille, bem como descrição de imagens e cores, com o propósito de possibilitar que as crianças com deficiência pudessem fazer uso dos mesmos materiais que as demais, promovendo nelas um sentimento de pertença e às demais crianças a experiência de como o mundo é diverso”, disse Andréa Fernandes, consultora associada da Avante e diretora de comunicação e incidência política, responsável pela elaboração dos materiais para as crianças.
Com o propósito de promover acesso pedagógico e possibilitar que todos os profissionais e familiares, com alta ou baixa proficiência leitora, também se apropriem dos conteúdos e experiências propostas, a Linguagem Simples perpassou a formação da equipe envolvida no Projeto, a criação de identidade visual – com o intuito de promover melhores condições de leitura para pessoas com baixa visão e daltonismo-, e também a diagramação.
Segundo a Associação Internacional de Linguagem Simples (Plain Language Association International – PLAIN): “uma comunicação está em linguagem simples se sua redação, estrutura e design forem tão claros que o público-alvo possa facilmente encontrar o que precisa, entender o que encontra e usar essas informações”.



