Avante

Infâncias periféricas e o direito à cultura

Qual o perfil das crianças que acessam equipamentos culturais no Brasil? 

No último dia 24 de abril, as crianças da Baixa do Tubo saíram da comunidade, com destino ao Teatro do Comércio, para curtir um espetáculo interativo de dança.

O que para elas pode ter parecido apenas um passeio divertido, na verdade, materializa diretrizes importantes que subsidiam os projetos da Avante – Educação e Mobilização Social em comunidades urbanas periféricas – como o direito à cultura, à cidade e a formação cidadã dos sujeitos atendidos, em especial, crianças e mulheres.

De acordo com o relatório Cultura nas Capitais, divulgado em fevereiro de 2025, raça é um dos principais marcadores quando o assunto é acesso à cultura no país. 

A pesquisa apresenta um panorama da exclusão cultural brasileira, com base em uma amostra representativa de todas as regiões do país. 

Embora não traga um recorte sobre as infâncias, o relatório nos possibilita chegar a uma resposta à nossa pergunta inicial: as crianças pretas e periféricas não perfilam no rol das infâncias com privilégios culturais no país.

A pesquisa revela que pessoas brancas são as que mais acessam bibliotecas, museus, teatro adulto, infantil, stand up ou musical, feiras literárias, concertos, locais históricos e livros; enquanto pessoas pretas estão à frente apenas em espetáculos de dança, shows de música, saraus e festas populares.

Os resultados não surpreendem, mas denunciam a necessidade de políticas públicas que democratizem os espaços culturais e viabilizem o seu acesso. Afinal, não basta garantir possibilidades gratuitas de museus, por exemplo, quando a maioria das crianças não pode pagar pelo transporte e lanche do passeio.

Para encurtar o caminho dessas crianças até os equipamentos culturais, a Avante tem como parte do seu escopo de trabalho a promoção de intercâmbios culturais e iniciativas que lhes possibilitem explorar a cidade e as diversas experiências educativas, estéticas e artísticas que ela tem para oferecer.

Ações 

Dois projetos, em especial, realizados em parceria com a Kindernothilfe (KNH), assumiram esse compromisso a partir de uma agenda bastante diversa: Foco nas Infâncias: defesa de Direitos na Baixa do Tubo do Coqueirinho e Estação Subúrbio: nos trilhos dos direitos.

Em vigência desde 2024, Foco nas Infâncias promoveu, em seu primeiro ano de atuação, uma série de atividades e passeios com a criançada, que incluiu: assistir ao espetáculo de dança contemporânea, encenado a céu aberto, sob o pôr do sol da Lagoa do Abaeté, e participar de duas mostras fílmicas.

A primeira contou com a exibição dos filmes As Aventuras de Amí e Pequenos Narradores; e a segunda, com a animação Ewé de Òsányìn: o segredo das folhas, ambas na Escola Municipal Anjos de Rua, no bairro de Piatã.

Essas e outras atividades culturais realizadas dentro e fora da comunidade em 2024 estão registradas em: Foco nas Infâncias: um ano de brincar.

E continua… 

O passeio realizado em abril deste ano, possibilitou às crianças participarem do espetáculo Fabulosas Meninas, que desconstrói – de forma interativa e brincante – os estereótipos contidos no estigma “coisas de meninas”.

A experiência cultural foi aprovada pela criançada, que não apenas curtiu a abordagem lúdica da peça, mas também o seu conteúdo, ratificando a importância do acesso à cultura para a ampliação da visão de mundo e formação crítica das crianças.

Naiane, 10 anos, chegou a uma síntese chave para todas as mulheres: “nós podemos ser o que quisermos e não o que a sociedade quer”; e Mel, da mesma idade, concordou: “eu gostei muito porque fala sobre fabulosas meninas, e que as meninas também podem. Não é só porque menino joga bola, que menina não pode”.

Maria Eduarda, 10 anos, que nunca tinha ido ao teatro, compartilhou: “eu gostei das músicas, da luz e da parte que todo mundo entrou pra dançar na roda”; enquanto Marcos Vinícius Brandão, 10 anos, fez uma avaliação mais ampla, com destaque para a diversão durante o traslado: “eu achei que a van (micro-ônibus) levou bem, teve várias músicas com pró Igor e professora Kuia. Quando chegou lá, eu gostei, porque era grande. Eu também amei muito quando ela (uma das intérpretes do espetáculo) me deu a caixa e as luzes brilhantes”.

Segundo Igor Sant’Anna, mobilizador territorial brincante no projeto, as crianças do território atendido não possuem vivência de cidade, sobretudo, porque os familiares saem da comunidade somente para trabalhar. “Por consequência, as crianças compartilham da mesma realidade, mesmo tendo opções próximas como a Lagoa do Abaeté, as praias e o Parque de Pituaçu”, explicou.

Estação Subúrbio 

Realizado entre 2017 e 2020, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, Estação Subúrbio: nos trilhos dos direitos foi outro projeto que promoveu atividades culturais externas à comunidade durante toda a sua execução, com interrupção apenas no período crítico da pandemia da Covid-19.

Em 2017, as crianças tiveram a oportunidade de assistir a um espetáculo de dança no Espaço Cultural Plataforma; de brincar ao ar livre no Parque da Cidade; e de realizar uma surpreendente viagem ancestral e imaginativa, por meio de duas exposições na Caixa Cultural. 

Experiências que podem ser conferidas nas matérias: Pela primeira vez, crianças do Estação Subúrbio vão ao teatro no Espaço Cultural Plataforma e Crianças do Estação Subúrbio embarcam em “O trem da história”

Em 2018, as crianças foram à Arena Teatro SESC Pelourinho para assistir a uma peça teatral e, em seguida, fazer um tour pelo Centro Histórico da capital baiana.

As impressões das crianças sobre as atividades podem ser conferidas aqui.

No início de agosto de 2019, foi a vez de experienciarem, pela primeira vez, o universo das telonas. As crianças da ocupação, atendidas pelo projeto, foram ao Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, para assistir ao longa-metragem O Rei Leão. 

Os detalhes dessa experiência estão disponíveis em: Direito à cultura: crianças da Ocupação Quilombo do Paraíso vão ao Cinema.  

Oportunizar experiências como as registradas pelos dois projetos é uma forma de ampliar o repertório cultural das crianças e possibilitá-las acessar espaços para além das suas comunidades.

Os direitos à cultura e à cidade são fundamentais para o desenvolvimento integral de todas as crianças. Assegurá-los, de forma equânime, é garantir, ainda, a formação de cidadãos críticos e participativos.

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