Avante

Educar para proteger

Quando o lar se torna um lugar perigoso, a escola se transforma em refúgio. É no ambiente escolar, distante dos abusadores, que as crianças apresentam sinais físicos ou comportamentais das violências sofridas em casa.

Cerca de cinco estupros de menores de 14 anos são registrados por hora no Brasil. O mais grave é que isso ocorre no local onde deveriam se sentir mais seguras: em seus próprios lares. Segundo o Anuário de Segurança Pública Brasileira (2024), em 88,2% desses registros a vítima é uma menina, e o abusador, na maioria dos casos, um familiar (63,3%) ou conhecido (22,2%). 

O abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, fenômeno que ganha maior visibilidade em maio, em função das campanhas de combate e conscientização, fere mais de 80 mil crianças e adolescentes por ano e requer ações efetivas de proteção. Número, inclusive, subestimado, uma vez que não considera os crimes sexuais virtuais, como a pornografia infanto-juvenil.

De acordo com a Organização Social SaferNet, mais de 71 mil denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil chegaram à Central Nacional de Crimes Cibernéticos em 2023, número 77% maior do que em 2022.

Considerando a vulnerabilidade das crianças e adolescentes dentro e fora das plataformas digitais e o potencial protetivo da escola, a educação deve, portanto, subsidiar todas as iniciativas e políticas de proteção, a partir de um trabalho sistematizado, contínuo, intersetorial e integrado.

Educação protetiva

A escola é o lugar onde os estudantes passam a maior parte do seu tempo, estabelecem vínculos afetivos e comunicam, de várias maneiras, o que não podem ou não conseguem em casa. Por isso, o ambiente escolar constitui um lugar essencial de escuta e implica que todos os profissionais estejam atentos às diferentes intenções de comunicação.

Segundo Adriana De Souza, psicóloga clínica, que atua há 13 anos na área, as crianças vítimas de violência sexual, ainda que não verbalizem, “demonstram mudanças significativas no comportamento, como: medo excessivo, choro frequente, ansiedade, irritabilidade, agressividade, desatenção, medo de ficar sozinhas, além de falas ou gestos sexualizados”, sinais que dificilmente passam despercebidos por professores ou outros membros da comunidade escolar.

Evelyn Barreto, mãe, psicopedagoga clínica e especialista em Gestão Educacional, esclarece que o trauma decorrente da violência sexual “pode afetar a motivação e o comportamento da criança na escola, levando ao baixo desempenho ou evasão escolar, além do risco de repetir padrões de relacionamentos abusivos”.

As profissionais concordam que a temática precisa estar na escola e que a abordagem deve ser feita com responsabilidade e sensibilidade, resguardando o respeito à idade, ao desenvolvimento e ao contexto sociocultural da criança.

Conforme Evelyn Barreto e Adriana De Souza, a escola pode e deve compartilhar o assunto de forma lúdica, criativa e interativa, elegendo aspectos importantes, como:

  • O cuidado e a proteção com o próprio corpo;
  • O empoderamento das crianças para dizer “não” a toques indesejados;
  • Incentivo ao diálogo aberto das crianças com adultos de confiança, uma vez que o abuso se perpetua a partir de ameaças para a manutenção do segredo;
  • Inclusão do tema em projetos de saúde, cidadania (inclusive, digital) e convivência, com estratégias como a contação de histórias, músicas, vídeos educativos, desenhos e jogos sobre sentimentos e situações do cotidiano;
  • A importância de ensinar as crianças a nomear emoções e sentimentos;
  • Ampliação do tema para além do maio laranja.

Além das ações voltadas às crianças, as profissionais também destacam a necessidade de iniciativas integradas e intersetoriais, entre elas: o fortalecimento da parceria entre família, escola e setores sociais (conselho tutelar, posto de saúde, entre outros); divulgação de canais para denúncias; capacitação dos profissionais da escola para identificar sinais de abuso, escuta qualificada e encaminhamento adequado; além do desenvolvimento de protocolos internos para lidar com suspeitas ou revelações de abuso. 

Consequências

A violência sexual pode afetar o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças, com consequências que, na ausência de acompanhamento especializado, pode perdurar por toda a vida. 

Evelyn Barreto ressalta que “meninos e meninas que sofrem violência sexual geralmente tendem a desenvolver traumas psicológicos que impactam todas as áreas, mesmo na vida adulta. É comum o desenvolvimento de depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtornos dissociativos e, em alguns casos, ideação ou tentativas [suicídio]”. O abuso, afirma a psicopedagoga, pode causar ainda “medo ou repulsa por contato físico e intimidade, além de distorções na forma de enxergar o amor”. 

Conforme Adriana De Souza, na clínica, observa-se com frequência, “a criança ou o adolescente acreditar que, de alguma forma, foi responsável pela violência sofrida. Esses pacientes podem apresentar baixa autoestima, dificuldade para construir vínculos, mudanças de comportamento, agressividade”, além dos demais sintomas pós-trauma, por isso, conclui a psicóloga, “orientar e dialogar sobre o tema é de extrema importância para que possamos proteger e amparar nossas crianças com responsabilidade e afeto”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assuntos Relacionados

plugins premium WordPress
Inscreva-se aqui para receber nosso Boletim.
Siga-nos
Avante - Educação e Mobilização Social

Todos os direitos reservados