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Educação Antirracista em gerúndio

Cidade de São Paulo, noite de quinta-feira, 26 de setembro de 2024, em um auditório repleto de representantes, líderes e intelectuais da causa racial, 16 pedagogas e pedagogos foram contemplados com o prêmio Educar com Equidade Racial e de Gênero, em sua 9º edição. A premiação é oferecida pelo Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades (CEERT), uma ONG fundada na capital paulista objetivando garantir igualdade de oportunidades em todos os estratos sociais. Lá, Noêmia Verúcia, professora da Rede Pública do município de Lauro de Freitas (BA), foi contemplada com o projeto “Ao som de Larissa Luz, o berçário reluz”, para a Educação Infantil. Uma prática que vai na contramão da história racista do Brasil, que ainda pulsa no coração da infância negra.

Ao som de Larissa Luz

Noêmia Verúcia atua no CMEI Djalma Ramos, uma escola próxima a uma aldeia indigena e a uma comunidade quilombola. Ela relata que dos 25 anos que atua em sala de aula, os últimos dez foram na escola de Lauro de Freitas, em contato com profissionais que inspiraram e facilitaram o desenvolvimento de atividades antirracistas com as crianças. A possibilidade de trabalhar a temática de forma sistematizada, contando com o apoio e incentivo da equipe pedagógica e diretiva, permitiu fazer Educação para “além dos muros da escola”, nas palavras da professora.

A prática pedagógica premiada consiste em atividades lúdicas e sensoriais com músicas de artistas negros conhecidos, que retratem elementos da cultura africana e afrobrasileira. Uma das músicas mais utilizadas foi Cupido Erê, de Larissa Luz, apresentada às crianças com o auxílio do videoclipe. 

Uma das culminâncias do Projeto foi uma sessão de fotos com os bebês com roupas de profissões de grande prestígio social, como médicos e advogados, e ensaios fotográficos com as famílias, que promoveu forte sensibilização e comoção dos familiares. Pais, mães e responsáveis reconheceram, neles próprios, uma visão racista na perspectiva de futuro dos filhos, pois não acreditavam na possibilidade de seus filhos ocuparem essas posições sociais. Ao final, as fotos foram colocadas em móbiles para exposição. O Projeto foi realizado durante todo o ano de 2023.

“A importância de ganhar um prêmio com essa pauta, trazendo para o meu município, é sair dessas fronteiras onde estamos e tocar outros lugares. Se um bebê, desde pequeno, já recebe a mensagem de que ele pode sonhar com uma carreira de sucesso, com uma vida de sucesso, as chances de conquista aumentam. A gente quer que isso chegue a outras tantas crianças e adultos que estudam, e dizer a todos – ‘você consegue, isso é possível’”, reforça Noêmia.

Giro Decolonial

A decolonialidade é uma escola de pensamento do movimento latino-americano emergente, que enfatiza a necessidade de questionar e rejeitar os modelos de conhecimento que perpetuam a dominação dos países colonizadores e a marginalizam outras culturas e povos. 

Para Noêmia, promover uma Educação que questione o racismo estrutural é ir muito além do aspecto racial. É tocar nas questões de gênero, de classe social e fazer um enfrentamento a um currículo estruturado em cima do conhecimento eurocêntrico. Um breve olhar para a história brasileira revela que as populações pobres, em sua maioria pretas, pardas e indígenas, ainda ocupam um lugar de vulnerabilidade social. As práticas decoloniais, como a da professora, insistem em dizer não para este projeto.

Quando analisa o atual cenário da Educação Básica, a pedagoga destaca a ausência total de uma perspectiva emancipatória. Ela enfatiza a importância de “nós falamos sobre nós” em contraposição às falas de quem sempre esteve no lugar de privilégio, para falar do outro,  enquanto sujeitos historicamente subalternizados devem apenas exercer funções. 

A luta dos movimentos negros em prol do reconhecimento do passado de exploração e violência, além de maneiras de reparação e conversão da dívida histórica que o país possui para com eles deu um grande passso em 2003 com a aprovação da Lei 10.639, que determina a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras nas escolas. Apesar da conquista, a lei completou 21 anos em 2024 ainda sofrendo entraves para sua implementação em todas as regiões do país.

LEIA TAMBÉM: “Se a escola não é empoderadora, ela não é emancipatória, ela é opressora”

Prêmio Educar 

O Prêmio Educar para a Igualdade Racial e de Gênero faz parte do Programa de Educação do CEERT, promovido juntamente com instituições parceiras e foi realizado pela primeira vez em 2002. Reconhecido pelo MEC como um dos principais métodos de promoção da igualdade étnico-racial já feita por uma instituição, o objetivo do prêmio é reconhecer e apoiar boas práticas pedagógicas e de gestão escolar que valorizem a diversidade étnico-racial nas escolas. Além de procurar o reconhecimento dessa diversidade, há uma abordagem com foco na valorização da mulher, especialmente africanas e indígenas.

Segundo Daniel Bento Teixeira, diretor executivo do CEERT, a 9ª edição permitiu aos presentes uma prática de aquilombamento: “Falamos sobre Bem Viver, falamos de quilombismo. Eu gosto muito de pensar o Bem Viver com o quilombismo. É o lugar compartilhado aqui na vivência dos diálogos”, disse em matéria disponibilizada no site da instituição sobre a noite da premiação. 

As práticas permitiram o reconhecimento da importância de uma Educação Antirracista,  do respeito às diversidades, preservação das comunidades tradicionais e protagonismo feminino na formação de cidadãos conscientes. Muitas das escolas e profissionais reconhecidos atuam com uma proposta de Educação Decolonial e estão localizadas em comunidades que fazem parte dessas populações, historicamente marginalizadas.

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