O Calabar foi inserido no programa de intercâmbio entre a UFBA e a Universidade de Michican (MSU). Essa é a primeira vez, desde o início do programa, em 2008, que a comunidade participará dos estudos em Ciência Sociais, realizados pelas duas instituições. Ao saber que este ano o intercâmbio traria estudantes com o objetivo de analisar as relações político-sociais de Salvador na atualidade, em comparação com o período de ditadura militar, a consultora da Avante – Educação e Mobilização Social, Ana Oliva, viu a oportunidade de incluir a comunidade do Calabar, na qual a ONG atua há anos por meio de projetos sociais. “Eles vão analisar a realidade atual com base no terceiro capítulo do livro num de Jorge Amado, Os Pastores da Noite, o qual narra a ocupação da região do Alto da Sabina e do Calabar. Nada mais instigante tanto para os estrangeiros como para os estudantes locais que, a partir do texto, vão trocar conhecimentos”, disse.
A leitura e debate realizados a partir do terceiro capítulo do livro de Jorge Amado – Os Pastores da Noite, que relata a invasão do Morro do Mata Gato, hoje região do Alto da Sabina e Calabar, aconteceram na Biblioteca Comunitária da comunidade durante o mês de junho e início de julho. No capítulo analisado, o proprietário do terreno consegue um mandado para expulsar os moradores do local por meio de força. Negocia-se a desapropriação, mas a solução acaba revelando um jogo de interesses para beneficiar políticos.
Além de três estudantes norte-americanos, o professor Rodrigo Pinto, brasileiro que ensina Ciências Sociais na MSU, conduziu o programa para mais três representantes do Calabar; Rosana Oliveira, Janete Santos e Tereza Cristina Soares; e um da UFBA, Alder Mourão.
Para Tereza Cristina Soares, o intercâmbio está sendo uma grande experiência para os participantes da comunidade. “Além de ser um trabalho com leitura, há a questão da interpretação e discussão, que nos leva a conhecer diferentes compreensões, que muitas vezes trazem aspectos que passaram despercebidos pela nossa. Sendo de estrangeiros, isso é ainda mais engrandecedor, algo que abre a nossa cabeça”, apontou.
Como o texto trata de temas muitos atuais como a violência policial e de como o poder atua na comunidade, entre outros, Tereza, que trabalha na Biblioteca Comunitária do Calabar como mediadora de leitura, por meio do projeto Ler Salvador (Rede EMredando Leitura) ressalta que os debates são de grande importância também para as estudantes do Calabar que participam das leituras e debates.
“As questões dizem respeito às suas formações, tanto para Rosana Oliveira, estudante de Assistência Social, como para Janete Santos, futura administradora. Estamos falando de problemas sociais, de relações de poder, de como se organiza uma comunidade, sobre sua estrutura e manutenção, tudo isso é de grande valor para elas”, concluiu.
A estudante de Relações Internacionais, da MSU, Lindsey Schnell, acredita que o intercâmbio está sendo uma grande experiência para ela e seus colegas norte-americanos. “Eu amo estar aqui e adoro os debates sobre assuntos sensíveis como o racismo, tema que também diz respeito a nós. A história de Salvador é muito rica. Muitas das coisas que estamos estudando a partir do livro de Jorge Amado podemos testemunhar aqui no Calabar, percebendo as mudanças que ocorreram entre aquele tempo e agora, como o poder dos militares e o racismo”.
Para Alder Mourão, natural de Belém (PA), e recém-chegado na cidade, além de uma grande experiência, “articular literatura com políticas internacionais, está sendo uma boa introdução à Salvador, especialmente por se tratar de Jorge Amado”, disse. As leituras, segundo Mourão, lhe apresentaram a cidade a partir de debates sobre temas importantes. “Aprendemos sobre as articulações políticas com a polícia, questões de gênero, resistência e organização das comunidades e a força da mulher”, disse.
Programa
Rising Brazil, Rising BRICS: the South American Transformation (Brasil em desenvolvimento, BRICS em desenvolvimento: Transformações na América Latina) é o nome do programa de intercâmbio entre a UFBA e a MSU. Como parte de um dos cursos do programa, estudantes da MSU estão visitando Salvador para responder a pergunta: até que ponto o Brasil, como participante do BRICS, se caracteriza como país emergente? Como caminho para se alcançar uma resposta, foi realizada a leitura de um texto de Jorge Amado, que mostra a realidade das comunidades onde hoje se encontra o Calabar.
De acordo com o professor Rodrigo Pinto foram analisados um indicador por semana. Na primeira semana o grupo se dedicou à Paz. “Analisamos Paz num sentido lato, ou seja, do país perante o mundo e internamente, incluindo a violência contra a mulher”, explica. Na segunda semana, trataram da questão étnica. Na terceira, economia e meio ambiente. Na quarta e última semana, foram analisados os movimentos sociais dentro da democracia.
Sobre o uso do texto de Jorge Amado, Rodrigo Pinto explica que os livros do escritor baiano são bastante usados em seus cursos na Universidade de Michigan. “Ele faz uma ilustração social do Brasil que não tem ciência social capaz de fazer. Ele traz a coisa para o cotidiano, para o estilo de vida, traz colocações mais gerais e subjetivas”, explica.
Esta é a segunda vez que os alunos do intercâmbio leem o texto que narra a ocupação do Morro do Mata Gato, “mas dessa vez de uma maneira mais profunda”. Um dos aspectos que contribuem para esse aprofundamento é o fato da leitura estar sendo feita no espaço físico onde acontece a narrativa, dando aos leitores a possibilidade de comparar o ontem com o hoje e debater as duas realidades com estudantes do local. “Isso só foi possível graças à Avante”, ressalta Rodrigo Pinto.
Além da participação dos moradores do Calabar no intercâmbio, o programa da MSU/UFBA deixará mais legados. Segundo o professor é possível que o resultado das análises feitas pelos alunos seja sistematizado e disponibilizadas para a Biblioteca Comunitária do Calabar. “Os alunos, ao retornarem para Michigan farão provas escritas, mas não é habitual tornar público esses materiais, mas vamos ver essa possibilidade, com a permissão deles. Contudo, pretendo fazer um artigo de pesquisa, o que, este sim, é mais viável como um possível material escrito para deixarmos na biblioteca”, informa.
Vale lembrar, que o espaço que hoje é usufruído na Biblioteca Comunitária do Calabar também foi consequência de um desses intercâmbios entre a instituição canadense Office Quebec – Amériques Pour la Jeunesse (QQJ) – Canadá e a comunidade. O encontro aconteceu em 2005 e nele os alunos QQJ puseram a mão na massa para reformar o espaço, um legado que vem auxiliando muito a comunidade até os dias de hoje.