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Avante capacita articuladores do semiárido no combate ao Trabalho Infantil

Avante capacita articuladores do semiárido no combate do Trabalho InfantilEntre os dias 4 e 7 de novembro a Fundação Telefônica, em parceria com o UNICEF e a Avante – Educação e Mobilização Social, realizou em Salvador a jornada de capacitação sobre os temas Trabalho Infantil (TI) e proteção do trabalhador adolescente. A formação envolveu articuladores do selo Unicef, representantes dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e da Assistência Social de 100 municípios do semiárido Brasileiro que atuam na prevenção e erradicação do TI nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba que aderiram ao Selo Município Aprovado/UNICEF, edição 2013-2016.

A formação trabalhou, em 12 horas de capacitação, conceitos e conhecimentos acerca dos marcos legais relacionados aos temas e capacitou o grupo para a articulação das ações de prevenção e combate, para dar conta do fluxo de atendimento às crianças em situação de risco e/ou de Trabalho Infantil; e ainda  estimulou o acesso às informações oficiais a fim de melhor fundamentar as ações de enfrentamento e intervenção relacionados ao tema.

A atividade começou com um debate sobre mitos e crenças que envolvem o assunto abortado, seguido da apresentação de dados que construíram um breve panorama do Trabalho Infanto-juvenil no Brasil. Houve também um compartilhamento de experiências que colocou em debate o valor ou não do trabalho tão cedo na vida.

Em um segundo momento, com base no mapeamento dos casos de TI nos município e nas discussões realizadas, os articuladores elaboraram estratégias de implantação de políticas publicas para enfrentamento ao TI, em seus municípios.

O objetivo da formação é a capacitação de profissionais de referência na área que estejam mais atentos e preparados para lidar com os paradigmas culturais relacionados à naturalização do Trabalho Infantil e preparar representantes dos municípios para que adquiram mais domínio no acesso e interpretação das informações oficiais acerca do tema, tornando-os mais qualificados para a aplicação destes dados, levando em conta a realidade do seu município.

Ana Luiza Buratto, coordenadora da jornada da formação em Salvador e consultora associada da Avante, ressaltou a evolução dos articuladores como resultado de formações como esta. “Acredito que estamos no caminho certo. Durante a jornada pudemos constatar a grande melhoria do nível das discussões, na capacidade de problematizar e de encontrar soluções. Isso nos aponta o quanto já se cresceu nesse país em termos de conscientização dos agentes públicos no combate ao TI e na garantira dos direitos da criança e do adolescente. A cada formação que a Avante realiza é perceptível o entendimento dos articuladores sobre a importância que temos que dar aos direitos da primeira infância”.
 
Trabalhar ou não, eis a questão

 O debate mais rico da formação seguiu o compartilhamento de experiências que colocou na pauta de discussão o valor ou não do trabalho tão cedo na vida. Marivalda de Araújo, do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Serrinha e agricultora, por exemplo, questionou o afastamento dos filhos das atividades de sustento familiar.

“Eu sou agricultora e fico pensando, se os nossos filhos não se interessarem pela agricultura quem vai plantar todo esse alimento para o Brasil? Nossos filhos contribuem muito, mas a cada dia que passa as novas gerações se interessam menos pelo trabalho agrícola”, disse Marivalda. Ela conta também que, diferente dos filhos mais velhos, o mais novo chorava para ir para roça com os pais. “Só levamos porque ele queria muito”, complementa a agricultora.

Para a coordenadora das ações estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do município de Olho D’Água das Flores Geral (AL), Larissa Melo, o trabalho prejudica o andamento nos estudos. Ela usou de um exemplo pessoal para argumentar contra a prática do trabalho de crianças e adolescentes. “Eu acredito que lugar de criança é na escola. Quando eu tinha 19 anos comecei a trabalhar e meu rendimento na faculdade caiu muito, pois eu trabalhava o dia todo, quando chegava de noite na faculdade estava exausta para estudar, imagina uma criança?”.

Judite Dultra, uma das consultoras Avante responsáveis pela jornada da formação em Salvador e consultora associada da Avante, explica que as escolas agrícolas e os programas voltados ao jovem aprendiz podem orientar em como incentivar as novas gerações para que tenham interesse em seguirem no ofício dos pais e ainda trabalhem como aprendizes.

Ela explica também que existem muitos casos de crianças que trabalham porque gostam ou porque querem estar em contato com os pais, ou querem ter seu próprio dinheiro. No entanto, mesmo quando o trabalho é uma iniciativa da criança, é preciso a intervenção dos pais para entender o real motivo dela querer trabalhar.

“Sabemos da importância dos filhos trabalharem com os pais. Este vínculo com a família é muito importante, mas é importante também ter a clareza do que é ou não situação de Trabalho Infantil.

Verificar quantas horas a criança e o adolescente estão trabalhando e se estão sendo privados do direito de brincar e estudar, por exemplo. Nestes casos, temos que trabalhar a raiz do problema, ou seja, na família”, disse Neuraci Queiroz, coordenadora do serviço de convivência no município de Barra, na Bahia.

Ana Luiza Buratto complementou a fala de Neuraci tomando como referência o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8069). “A partir da sua criação, a criança e o adolescente passam a ser reconhecidos como um sujeitos de direitos e deixam de ser exclusividade da família, podendo e devendo ser assistida pelas políticas públicas quando necessário”.

Sonia Bandeira, outra consultora da Avante responsável pela jornada da formação em Salvador, explica que a partir da identificação da realidade de cada lugar, os representantes do município precisam buscar estabelecer formas e metas de enfrentamento do problema e planejar ações de proteção para a criança e o adolescente trabalhador.
 
Planejamento

Essas formas e metas de enfrentamento foram trabalhadas durante a formação e o debate sobre o tema trouxe sugestões dos participantes. Articuladores de Teixeira de Freitas (BA) sugeriram incentivar a ampliação do Programa Jovem Aprendiz junto às empresas. Do pessoal de Salgadinho (PE) veio a ideia de identificar as principais formas de TI. E fortalecer as parcerias com toda a rede por meio da realização de seminários para conscientizar as famílias e a população do entorno sobre a situação do TI, foi a sugestão dos articuladores de Serrinha (BA).

Carol Duarte, que também integra a equipe Avante responsável pela jornada da formação em Salvador, ressalta a importância do planejamento de estratégias trabalhadas durante o encontro. “Esse planejamento é mais um passo importante no combate à erradicação do Trabalho Infantil. Com a semente que foi plantada hoje, a expectativa é que, ao retornarem aos seus municípios, os articuladores repliquem com suas equipes, elaborando um planejamento mais organizado e estratégico e direcionado à realidade de cada lugar”, explica Carol.

A consultora Judite Dultra complementa a fala de Carol Duarte. “Temos que estar atentos à maneira de como intervir, como assistente social, psicóloga, articulador. É importante pensarmos para não ficarmos diluídos na massa e acabarmos atuando como a maioria. O importante é pensarmos que não queremos ser mais um, e sim fazermos a diferença”.

Dados

No ano de 2012, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2012 (IBGE/PNAD), verificou-se que no Brasil 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos ainda permaneciam trabalhando. Estes dados demonstraram que houve queda de 0,3 pontos percentuais. Na faixa etária de 5 a 13 anos, a principal atividade era na área agrícola.

As formas mais comuns de Trabalho infantil apresentadas foram nas áreas da agricultura familiar; comercio informal urbano, produção dentro do próprio domicílio; trabalho doméstico; exploração sexual comercial de crianças e adolescentes e o narcotráfico.

Histórias de quem viveu o Trabalho Infantil

Rogério Tavares da Silva, articulador do Selo Unicef do município de Barreias (BA), conta sobre sua luta contra o Trabalho Infantil quando criança e as consequências que este problema traz para o ser humano.
“Minha infância e adolescência foi muito conturbada, fui uma criança sofrida. Com cinco irmãos e órfão de mãe, meu pai colocava a gente para trabalhar na lavoura do milho, trabalho duro, trabalhava entre 8h e 10h por dia na lavoura”. Rogério contou ao grupo que para o pai estudar era coisa de vagabundo e por isso ele proibia os filhos de irem à escola. “Tínhamos toda uma frustração de não aprender a ler e a escrever. Fui alfabetizado com 14 anos, com muita luta, após perder quatro vezes o primeiro ano”, relata o articulador que ia para escola escondido. Mesmos assim, por diversas vezes o pai ia atrás dele para tirá-lo de lá, levando-o de volta para o trabalho.

“Quando comecei a ler, percebi que o estudo era um caminho para sair do trabalho escravo, do Trabalho Infantil. Isso tudo traz uma sequela dentro da alma da criança e do adulto que tem um futuro frustrado e podado”, lamenta. Rogério acredita que é preciso fazer campanhas continuadas dos órgãos de direito para combater essa inibição e violação da infância que é o trabalho infantil. “Hoje em dia sabemos que os órgãos competentes podem atuar, por isso estou nesta causa”, completa o articulador.

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