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Entre a escola e o território: Educação Infantil Indígena na comunidade Pataxó

“A Educação Infantil, etapa educativa e de cuidados, é um direito dos povos indígenas que deve ser garantido e realizado com o compromisso de qualidade sociocultural e de respeito aos preceitos da educação diferenciada e específica”.  (Artigo 8º, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica/2012)

O artigo descrito ratifica as garantias previstas na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e prenuncia o Plano Nacional de Educação Escolar Indígena (PNEEI), de 2023, instituído para implementar estratégias de fortalecimento e consolidação da Educação Escolar Indígena no Brasil. 

A etapa da Educação Infantil, no entanto, é facultada às comunidades – prerrogativa que resguarda a decisão de cada povo e território sobre como educar as suas crianças e a idade ideal para início da vida escolar.

Ao optarem pela Educação Escolar Infantil Indígena, as comunidades têm direito à oferta de uma educação territorializada, específica, intercultural e bilíngue, de forma equânime e qualificada, como prevê os Parâmetros Nacionais de Qualidade e Equidade para a Educação Infantil (PNQUEEI).

Além dos critérios e exigências das legislações específicas, os PNQUEEI estabelecem onze pontos (Art. 12) que organizam a Educação Infantil indígena, quilombola e do campo, entre eles, a relação intrínseca com os modos de bem viver dos grupos étnicos em seus territórios.

Embora amparada por uma legislação robusta, a realidade educacional em muitos territórios indígenas ainda carece de atenção, especialmente no que diz respeito à formação inicial e contínua do professorado indígena – agentes-chave para assegurar a qualidade da educação específica almejada.

Para compreender um pouco mais sobre os desafios dessa formação, provocada pelas reflexões iniciadas no texto: Universidade Indígena e a demarcação do ensino superior – Avante, e conhecer a realidade da Educação Escolar Infantil Indígena em um território etnoeducacional Pataxó, a Avante – Educação e Mobilização Social ouviu Xociane Oliveira Azevedo, professora e coordenadora do Colégio Estadual Indígena Kijētxawê Zabelê, localizado em Cumuruxatiba, extremo sul da Bahia.

Xociane Oliveira desenvolve uma pesquisa na escola onde trabalha, com intuito de verificar os impactos da integração da língua Patxohã ao currículo escolar na construção da identidade cultural das crianças.

Confira!

Avante: Você sempre atuou na Educação Infantil?

Xociane Oliveira: Sempre. Foi onde construí minha experiência e aprendi muito com as crianças. Mas neste ano, 2025, recebi o desafio de assumir a coordenação, e então passei a atuar como coordenadora pedagógica da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I.

Na coordenação, continuo envolvida com o trabalho das professoras e com as turmas, sempre buscando fortalecer o ensino bilíngue e valorizar a cultura Pataxó dentro da escola.

Avante: Como se deu o seu ingresso na universidade?

Xociane Oliveira: Entrei por meio do vestibular indígena da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e hoje estou cursando Pedagogia Intercultural em Educação Escolar Indígena, no campus de Teixeira de Freitas.

Esse curso é voltado especialmente para a formação de professores indígenas e tem grande importância na luta por uma educação feita a partir da nossa realidade e do nosso território.

Avante: Quais os desafios de estudar numa universidade com epistemologias coloniais, eurocêntricas, e transformar esses conhecimentos adquiridos para a educação indígena?

Xociane Oliveira: É um grande desafio, porque muitas vezes a universidade não entende a nossa forma de ver e viver o mundo. Mas a gente vai transformando o conhecimento que vem de lá para a nossa realidade.

Procuro sempre levar o que aprendo na universidade de um jeito que faça sentido para a aldeia, respeitando nossa cultura, nossa língua e nossa forma própria de ensinar e aprender.

Eu costumo dizer que estudo com o pé na aldeia e o coração na comunidade, para não perder o sentido do que é ser professora indígena.

Avante: Como se dá a educação das crianças Pataxó de 0 a 6 anos? Há escolas indígenas no território?

Xociane Oliveira: A educação das crianças Pataxó acontece nos dois lugares: escola e território. A escola tem um papel importante, mas a educação indígena começa em casa e no território. As crianças aprendem com as famílias, com os mais velhos, nos awê, nas festas e nas brincadeiras.

[Awê – ritual composto por cantos, danças e outros elementos da cultura Pataxó. O canto exerce uma função narrativa, pois conta, por meio da música, a história de luta dos povos indígenas. Além disso, consiste numa estratégia cultural importante para manter viva a língua Patxohã e a expressão do povo]

No meu território, Comexatibá, existem seis escolas indígenas. Uma delas é o Colégio Estadual Indígena Kijētxawê Zabelê, que é a escola em que trabalho. Ela é formada por seis anexos, porque atende a seis aldeias diferentes dentro do território.

Na nossa escola, as crianças estudam desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e EJA, e o ensino é bilíngue, com aprendizagens da língua Patxohã e do Português.

A escola vem para reforçar o que já é vivido na comunidade, com atividades que trazem a língua, as histórias e os costumes do nosso povo. Todo o trabalho escolar é voltado para fortalecer a identidade das crianças e valorizar a cultura e os saberes tradicionais.

Avante: O que não pode faltar no currículo da educação escolar para as crianças indígenas?

Xociane Oliveira: Não pode faltar a língua Patxohã, a cultura do nosso povo, as histórias e saberes dos mais velhos, a oralidade, as brincadeiras tradicionais e o respeito à nossa forma de viver.

Na nossa escola, já temos a língua indígena inserida na grade curricular, e contamos com um professor específico para ministrar essa disciplina. Esse trabalho é muito importante, pois contribui para o fortalecimento da língua Patxohã e para a valorização da identidade cultural das crianças desde pequenas.

Esses elementos ajudam as crianças a crescerem com orgulho, pertencimento e consciência de quem são e de onde vêm.

Avante: Como você avalia o quadro docente da Educação Infantil da sua escola?

Xociane Oliveira: Hoje temos um quadro grande de professores e auxiliares que atuam na Educação Infantil. 

Muitas professoras e auxiliares são pedagogas ou estão em formação na área da Educação, buscando se aperfeiçoar cada vez mais para atender às crianças com qualidade e sensibilidade.

São professoras indígenas comprometidas com o aprendizado e com a preservação da cultura, unindo o conhecimento acadêmico e os saberes tradicionais para fortalecer a educação das nossas crianças.

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