
A quem interessa a urgência da pauta sobre Educação domiciliar? Considerando que cerca de 80% das crianças brasileiras matriculadas na Educação Básica estão na rede pública?
A proposta classista, inconstitucional e antidemocrática, que atende ao anseio de uma parcela minoritária da população, entrou na agenda do Legislativo Federal no início desta semana, por meio do Requerimento de Urgência nº 1924/2021. DE NOVO.
O ato normativo formaliza à Câmara dos Deputados o pedido de análise e votação do Projeto de Lei (PL) 3262/2019 que propõe a alteração do Artigo 246 do Código Penal Brasileiro (1940), correspondente ao crime de Abandono intelectual.
O artigo em questão prevê detenção, de quinze dias a um mês, ou multa para o responsável que “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. Dessa forma, o PL 3262 não apenas desconfigura a prática do homeschooling como crime, como abre precedente para a liberação dessa modalidade de ensino, tornando imperativa e urgente a mobilização social em torno da pauta.
Alvo de disputas políticas e legais, o debate sobre o homeschooling se acentuou especialmente após a pandemia, quando o contexto do isolamento favoreceu famílias interessadas em optar e defender esse modelo educativo. Uma defesa baseada em argumentos moralistas e excludentes, além de ataques à instituição escolar, fundamentados em ideologias conservadoras e neoliberais opostas aos princípios basilares de formação cidadã – como a laicidade e a pluralidade – que caracterizam o país.
Promovida em regime de colaboração com a sociedade, a Educação é direito de todos e dever do Estado e da família, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, assegura a Constituição, no Artigo 205.
Objetivos que encontram viabilidade e potencialização no ambiente escolar, graças ao convívio, interação e confluência de saberes, experiências e culturas que a instituição escolar possibilita, uma vez que não se configura como mera reprodutora de conteúdos científicos, mas como um espaço de construção coletiva do conhecimento.
Ao propor a Educação como dever partilhado entre Estado e família, a Constituição Federal (CF) não estipula preponderância de uma ou outra instituição. Em vez disso, no artigo posterior (206), a CF confirma a escola como responsabilidade do Estado para provimento da Educação formal, ao assegurar, “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.
O PL 3262/2019, por sua vez, ao autorizar o homeschooling, cria um precedente para a desresponsabilização do Estado. O que representa um agravante, sobretudo para as crianças em situação de vulnerabilidade econômica, que precisam do Estado para acessar o Direito à Educação, e para as crianças com deficiência, que poderão ser impelidas ao homeschooling sob os argumentos do cuidado, da adaptação e da aprendizagem individualizada, tornando-os novamente suscetíveis à segregação social.
Desde que o tema emergiu, a Avante – Educação e Mobilização Social, que integra importantes redes de defesa dos direitos das crianças, como a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Coalizão Brasileira pelo fim das violências contra a criança e o adolescentes e a Rede Nacional Primeira Infância, vem fortalecendo a linha de frente em favor da prevalência do acesso ao Direito à Educação e dos marcos legais que asseguram a sua qualidade e equidade.
Assim sendo, a Avante manifesta publicamente o seu posicionamento contrário ao Requerimento de Urgência nº 1924/2021 e ao PL 3262/2019, por entender que, além de acentuar o classismo e o capacitismo, a alteração de dispositivos legais que sustentam o Estado Democrático de Direito, como a Constituição Federal e o Código Penal, não deve ser realizada de forma arbitrária para atender a um grupo minoritário que não representa a população brasileira e não se compromete com a legitimidade das demandas sociais.