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Falta de creches e vaga nas escolas viola direito de crianças e adolescentes, e impacta na autonomia de mulheres 

Quantas crianças periféricas estão crescendo à espera de uma vaga em creche? Quantas mães precisam levá-las para o trabalho ou já sofreram demissão exatamente por não ter onde deixar seus filhos? 

“Os órgãos públicos precisam olhar o lado das mães e mães solos”, defende Virgínia Maria Brandão, moradora da Baixa do Tubo, periferia de Salvador, e integrante do grupo de mulheres organizado e mediado pelo projeto Foco nas Infâncias. “Eu mesma passei um bocado com minha filha, porque quando ela era pequena não tinha creche. Em um dos meus trabalhos, a mulher nem quis, e me disse – Ó, não vai dar, porque você não vai dar conta da sua filha e de cuidar das coisas – aí, me dispensou”, argumentou Virgínia.

Andressa Silva, também integrante do grupo de mulheres do Projeto, identifica na comunidade a urgência de “mais uma escola em tempo integral, para que as mães possam trabalhar tranquilamente”. Segundo ela, que atua como voluntária em uma escola do bairro, “são muitas as demandas na escola. Há necessidade de mais professores, mais auxiliares de desenvolvimento infantil (ADI), funcionárias na área da limpeza, porque a escola é muito grande”. Com relação a vagas, ela reforça, “é disputa mesmo, por conta da demanda. Então, seria melhor ter outra escola, de período integral”.

A última pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FVG – 2025) apontou que mais da metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Contudo, o retrato das mães solo é nítido e preciso. Em pesquisa anterior, a Fundação já havia identificado que 90% das mulheres que se tornaram mães solo entre 2012 e 2022 são negras, com maior proporção de chefia das famílias para as regiões Norte e Nordeste, e rendimento 20% menor do que as mulheres casadas com filhos.

Virgínia e Andressa amplificam a voz de muitas mulheres brasileiras, sobretudo negras e periféricas, que precisam equilibrar casa, filhos e trabalho numa corda bamba que o poder público insiste em manter em suspenso. Enquanto isso, à espera de uma vaga, seus filhos e filhas estão crescendo sem a possibilidade de acessar um espaço que lhes é de direito. 

“É muita demanda que as mães solo passam. A gente tem um pouco de esperança e fé que isso possa ser mudado. Precisa melhorar bastante. Com fé em Deus, vai melhorar”, afirma Virgínia, confiante.

Indicadores

Segundo o Panorama do Acesso à Educação Infantil (2016 a 2024), recém-publicado pela organização Todos pela Educação, cerca de 26% das famílias soteropolitanas com crianças de 0 a 3 anos encontraram dificuldade de acessar creches em Salvador, em razão da falta de vagas, distância da residência ou recusa no atendimento em função da idade, por exemplo. Com uma cobertura de atendimento de apenas 31% das crianças na primeiríssima infância, em 2024, a capital baiana ficou abaixo da taxa mais recente do Brasil (cerca de 40%) e da meta de atendimento estabelecida pelo Plano Nacional da Educação (50%).

Embora a creche não seja uma etapa obrigatória, em havendo necessidade, o serviço se constitui direito da criança de 0 a 3 anos e atribuição direta dos municípios, que são os entes federativos responsáveis pela oferta da Educação Infantil. 

Conforme a pesquisa mencionada, o acesso à creche no país é uma problemática ainda maior para o grupo de 0 e 1 ano e, sobretudo, para as classes economicamente mais baixas que mais necessitam do serviço. Entre os 20% da população de menor renda, apenas 30,6% das crianças de 0 a 3 anos estão na Educação Infantil, enquanto que no grupo de maior renda, a taxa de atendimento é de 60%. A conclusão apontada pelo relatório é a de que quanto menor a renda familiar, maior o número de crianças que necessitam do serviço de creche sem conseguir acessá-lo.

Os números, portanto, revelam um déficit preocupante, pois além de violar o direito das crianças na primeiríssima infância, configura-se um entrave à autonomia financeira das mulheres socialmente vulneráveis, em sua maioria, mães solo, negras e periféricas.

De acordo com Virgínia Brandão, a sua “comunidade é muito precária nesse sentido, porque muitas mães, principalmente as mães solo, não conseguem trabalhar, por não terem um lugar para deixar os filhos”.

Carência escolar

Além da demanda por creche, outra preocupação que tem afetado famílias e crianças na Baixa do Tubo é a ausência de vagas no Ensino Fundamental 02, sobretudo, em turmas de sexto ano.

Para entender o problema, o projeto Foco nas Infâncias realizou visita ao Centro de Referência em Assistência Social do Bairro da Paz e ao Conselho Tutelar de Itapuã, responsáveis pelo atendimento aos moradores da Baixa do Tubo. Não conseguindo soluções junto às escolas, o Conselho informou que tem encaminhado casos individuais ao Ministério Público da Bahia. 

Em dezembro de 2024, a gestão da escola Anjos de Rua, que atende à região da Baixa do Tubo, já havia apontado preocupação com os concluintes do Fundamental 01, visto que a escola municipal com vagas no Fundamental II fica distante do território, e o Colégio Satélite (Piatã) não supriria toda a procura de sexto ano em 2025.

“Temos observado uma demanda muito grande na comunidade por matrículas em turmas de sexto ano e chegamos, inclusive, a visitar o Colégio Satélite. As duas turmas dessa série no turno vespertino estão funcionando com mais de 35 alunos”, afirmou Joice Cristina Santos, assistente social do Projeto.

Conforme Christiane Sampaio, coordenadora do Foco nas Infâncias, as mulheres têm expressado igual preocupação com a ausência de vagas para as crianças maiores de 11 anos e a falta de transporte escolar. “Nós conversamos com o Conselho Tutelar sobre a importância de construir uma ação coletiva para que o problema seja colocado em pauta. O Conselho ficou de mobilizar o Ministério Público para participar de uma roda de conversa conosco”, compartilhou.

Ainda segundo a coordenadora, “essa faixa etária é bastante vulnerável às situações de exploração do trabalho infantil, recrutamento para o tráfico de drogas, entre outras situações de extrema vulnerabilidade”. 

A Baixa do Tubo, segundo Joice Cristina, é uma comunidade com um grande número de crianças, e perceptível dificuldade de acesso a muitos espaços de direitos, entre eles, escolas e creches. “A questão do acesso à creche surgiu em uma das nossas rodas de conversa, assim como a demanda por matrículas em turmas de sexto ano. Então, essas são demandas que vão emergindo da própria comunidade em nossas reuniões”, concluiu a assistente social.O projeto Foco nas Infâncias: defesa de direitos na Baixa do tubo do Coqueirinho é realizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a kindernothilfe (KNH).

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