
Salvador se aproxima dos 45 dias sem aula nas escolas municipais. O que pode parecer, para alguns, uma questão local, tem se revelado parte de um movimento muito maior. Uma reação dos professores ao projeto político de precarização da Educação pública brasileira, que começa com a desvalorização dos seus profissionais.
O primeiro semestre de 2025 foi marcado por uma escalada grevista em diversos lugares do país. Somente na primeira semana de junho, redes de professores de Belo Horizonte, Distrito Federal e Paraná decretaram greve por tempo indeterminado, enquanto São Paulo está chegando aos 55 dias de paralisação, e Manaus realiza assembleia geral em 18 de junho, com indicativo de greve.
No Nordeste, antes mesmo da convocação de paralisação feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) para 23 de abril, Rio Grande do Norte e Piauí já haviam decretado greve por tempo indeterminado no final de fevereiro, e Fortaleza havia paralisado em 27 de março por melhorias nas condições de trabalho, infraestrutura escolar e valorização profissional.
Na mesma esteira, Recife vivenciou uma greve de duas semanas em maio; Pernambuco realizou paralisação pontual em 9 de junho; Aracaju, São Luís e Paraíba aderiram à convocatória do CNTE em 23 de abril, e o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal) já confirmou greve da Rede Estadual para 1º de julho com protestos na capital Maceió.
O cenário é preocupante e tem muito a revelar. Embora o reajuste salarial seja o carro-chefe das reivindicações, a categoria tem se mobilizado em torno de pautas igualmente relevantes, como: planos de carreira; abertura de concursos públicos e nomeação dos candidatos aprovados; maior investimento na Educação, incluindo melhorias e adaptação das escolas frente às mudanças climáticas; desmilitarização de escolas públicas, entre outros.
Em análise geral sobre o contexto, Maria Thereza Marcilio, consultora associada e fundadora da Avante – Educação e Mobilização Social, que vem acompanhando o movimento por meio da mídia e de participação em diversos fóruns de Educação acredita que “as greves estão vindo no bojo de uma situação bastante antiga, mas que se agravou muito”.
Segundo ela, “além de serem historicamente desprestigiados, desvalorizados e mal remunerados, os professores foram colocados numa posição de criminosos no governo anterior. Desrespeito que segue, hoje, com vereadores insultando professores grevistas. Um absurdo total!”, desabafou Maria Thereza, em referência ao ocorrido na tribuna legislativa de Salvador em 09/06 e em outros atos pacíficos, como o realizado em frente à Câmara Municipal de São Paulo em 16/04.
Reivindicações
A greve na Educação é sempre uma decisão muito delicada e de difícil consenso, até mesmo dentro da categoria, especialmente, por conta dos transtornos ocasionados aos estudantes, família e sociedade. No entanto, a totalidade de problemas somatizados nos últimos anos parecem ter esgotado as possibilidades de enfrentamento.
Conforme Maria Thereza, que ressalta a sua posição sobre greve como um recurso último dos professores, a realidade enfrentada pelos professores não deixou alternativas: “eu não vejo hoje outra possibilidade de reagir a essa situação, a não ser fazendo alguma coisa como greve, que seria a última coisa”, declarou.
A consultora associada da Avante, que acompanha mais de perto a situação dos professores da capital soteropolitana, ressalta o tamanho do problema a ser enfrentado: “a quantidade de municípios que não paga o piso, que não tem plano de carreira para os professores… a quantidade de estados – unidades da Federação que estão numa situação mais confortável que os municípios – que também não pagam piso, não têm plano de carreira para os professores e que tem usado de artifícios deletérios como o de incorporar gratificação como se fosse salário e usar isso como justificativa de que paga o piso, é lamentável”.
As gratificações dos professores estão previstas em lei e variam conforme a esfera de governo (Município, Estado e União). Elas podem ser concedidas em função da regência de classe; da localidade da escola; titulação do professor; tempo de serviço ou por atividade educativa. Inseri-las como somatório ao piso salarial viola os direitos da categoria e desestimula os professores a investirem em formação continuada.
“Ao incorporar no salário (que é muito baixo) aquilo que os professores têm direito como gratificação: acréscimo por mestrados, doutorados, especializações, eles chegam ao piso de forma indevida e usam como justificativa de cumprimento do direito. Ao fazer isso, eles achatam a carreira e desmancham o plano de salário. Isso é absurdo!”, explicou Maria Thereza com indignação.
Outra reivindicação que pauta a mobilização dos professores e que Maria Thereza menciona com veemência é a ausência de concursos públicos. Uma problemática que afeta muitos municípios e que impacta diretamente a qualidade da Educação.
“Uma quantidade grande de municípios e também alguns estados não têm feito concurso público. Eles contratam professores no início do ano e demitem no final, ou fazem contratos temporários que vão se renovando. Esses professores não têm estabilidade, não ficam, necessariamente, na mesma escola, ou seja, uma série de desvios. Por que não fazer concurso público? Por que não garantir profissionais e, inclusive, colocar no concurso público as exigências de graduação?”, questiona Maria Thereza.
Além desses pontos críticos, ela destacou, com igual preocupação, o avanço das privatizações na gestão das escolas públicas, a militarização escolar e a hipervigilância dos professores.
“Tem lugares em São Paulo que o salário do militar (sem formação alguma) que vai para a escola é maior do que o salário do professor. Então, são distorções em cima de distorções. A entrada dos entes privados dizendo como se deve gerir uma escola, qual material deve ser usado, interferindo nos currículos, e os municípios e estados vão se subordinando e desvalorizando o professor”, explicou Maria Thereza.
Todas essas distorções chegam à sala de aula afetando, inclusive, a relação educando-educador. O comportamento agressivo e desrespeitoso dos estudantes e, por vezes, de familiares, aliado a todos os problemas já mencionados, corroboram o adoecimento dos professores, que precisam ser afastados, transferidos ou impedidos de dar aula por depressão, burnout e outras afetações emocionais e psíquicas.
Apoio
A luta dos professores é legítima, mas o seu reconhecimento junto às famílias e sociedade é um desafio. Primeiro, porque a ausência de aula afeta a rotina das crianças e de seus responsáveis, e segundo, em função da polarização da grande mídia em torno das greves, cuja narrativa vai sempre na direção de culpabilizar os professores pelos transtornos e não de comunicar à população a relevância da mobilização para todo o sistema educacional.
“É muito difícil para as famílias entenderem e aceitarem greves longas, porque isso é um transtorno para eles. Então, o meu conselho para os professores é que transformem a greve num movimento de mobilização comunitária, de trazer os meninos e as famílias para escola, fazer discussão, criarem trabalhos com a comunidade, reunião na praça, na vizinhança, criar laços com a comunidade”, compartilhou Maria Thereza aos professores.
Segundo ela, os professores precisam ocupar a escola com mobilizações que envolvam toda a comunidade, pois a ausência gera um esvaziamento da escola e “toda vez que acontece isso, a escola perde muito e deixa de ser o lugar de referência”, completou.
Aos familiares e sociedade, ela sugere uma aproximação dos professores e realizar ações que incluam a participação em audiências legislativas. “Busquem seus professores, vejam como podem fortalecer e apoiar. Façam um manifesto junto às autoridades, redijam coisas, vão à Câmara, enfim, é preciso fazer um esforço de chegar às mídias, para poder se fazer ouvir”, argumentou.
Diante da morosidade e descaso das autoridades em relação ao movimento grevista, Maria Thereza assegura que a organização da categoria se torna ainda mais necessária, no entanto, essa precisa ser também uma oportunidade para sensibilizar a sociedade em prol da Educação.
“O salário é importantíssimo, é fundamental, mas é preciso que eles mostrem o que está acontecendo de um modo geral e que busquem as comunidades, que não seja puramente uma greve de uma categoria profissional, mas uma luta de todos, afinal, não há país que se desenvolva sem Educação, e o professor é um profissional-chave nesse processo”, concluiu.