Avante

logo_Prancheta-43

Impactos da crise climática no cotidiano escolar

“Um calor insuportável, que chega a causar mal-estar. Em nossas salas, o sol bate na parte da tarde e, além do calor, precisamos fechar as janelas, porque os equipamentos como computadores e máquinas de xerox esquentam; na hora do soninho, o ambiente fica tão aquecido, que as crianças acordam molhadas ou chorando por não conseguirem dormir com o calor”.

O relato é da gestora Sheyla Gaspar e da coordenadora Arlete Nadja, servidoras no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Arlete Magalhães, localizado no bairro de Roma, na Cidade Baixa de Salvador. 

No verão, a comunidade do CMEI Arlete Magalhães sofre com ondas excessivas de calor e, nos dias de chuva, o funcionamento da escola e a chegada dos profissionais e estudantes à instituição ficam comprometidos por causa dos alagamentos recorrentes que acometem a parte baixa da cidade.

Em outro ponto da capital baiana, “o excesso de calor tem reduzido o número de aulas por ausência de professores por motivo de doença e ampliado o número de faltas dos alunos”, explica Patrícia Araújo Lopes, gestora da Escola Municipal Anjos de Rua, situada no bairro Jardim Placaford, que atende às comunidades do entorno do bairro Alto do Coqueirinho.

Nos períodos chuvosos, a Escola Anjos de Rua se transforma em ponto de arrecadação de alimentos e materiais de limpeza para famílias das comunidades afetadas, “acolhendo também os que chegam precisando de suporte de alimentação no horário de aula das crianças”, acrescenta a gestora.

O cenário apresentado não é exclusividade de Salvador. De acordo com o relatório produzido pelo Instituto Alana, publicado em 2024 – O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras – 370.530 crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental estão em escolas localizadas em áreas de risco nas capitais do Brasil. 

A realidade é preocupante e exige uma reação imediata e articulada dos governos e sociedade civil, sob o risco de violar direitos básicos da infância e adolescência, entre eles, o direito à Educação.

É preciso considerar, entretanto, que os principais sujeitos afetados são estudantes de escolas públicas, que atendem às populações marginalizadas e, em sua maioria, estão situadas em regiões vulnerabilizadas.

Ao incidirem drasticamente sobre populações pretas e periféricas e comunidades tradicionais – ribeirinhas e quilombolas, as mudanças climáticas escancaram e acentuam problemas sociais estruturais, a saber, o racismo ambiental e a injustiça social.

Escolas insustentáveis

A crise climática é uma realidade e a necessidade de adequar as escolas para enfrentá-la também. 

Diante dessa nova conjuntura, para assegurar as aprendizagens dos estudantes, os espaços escolares deverão ofertar ambientes propícios para a realização de suas atividades, e essas medidas precisarão ultrapassar a climatização das salas de aulas. 

A ausência de espaços arborizados, por exemplo, é um problema enfrentado pela maioria das escolas brasileiras, cuja estrutura e estética estão centradas em paredes, cimento e concreto.

Segundo dados divulgados pelo Instituto Alana, mais de um terço das escolas do país (37,4% do total) não têm área verde no lote. Em Salvador, esse número sobe para 87% das escolas.

A gestora da Escola Anjos de Rua confirma essa ausência na instituição e acrescenta que os espaços para brincadeira e recreação são muito pequenos. 

No CMEI Arlete Magalhães a realidade é um pouco melhor, mas não tão diferente. Segundo a gestora e a coordenadora, a escola possui “apenas uma horta, um canteiro estreito que rodeia o prédio com plantas de ornamentação e um canteiro no meio do pátio com plantas medicinais e de ornamentação, que são mantidos junto com as crianças”.

Além das salas de aula extremamente quentes, com ventiladores barulhentos – insuficientes para atender à demanda – outro ponto crítico levantado pelas gestoras das duas unidades é a insalubridade das cozinhas. 

“A cozinha é um forno, sem ventilação, sem ventilador, ar-condicionado ou exaustor para puxar o calor do fogão, o que acarreta, muitas vezes, a perda de alimentos, como frutas e verduras”, descreveu Patrícia, da Escola Anjos de Rua.

Sheila e Nadja compartilharam situação similar em seu CMEI. “Quando chegamos na porta da cozinha sentimos um bafo quente que sai lá de dentro. É um lugar extremamente desconfortável e excessivamente quente. Não há janelas, e o ventilador fica cheio de gordura”.

Em fevereiro, a Agência Brasil noticiou um dado alarmante sobre as condições de trabalho desumanas nas cozinhas escolares. Segundo a coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe), nos dias mais quentes, as merendeiras chegam a enfrentar uma sensação térmica de mais de 60ºC com fogões ligados.

Tendo em vista as afetações da crise climática nos cotidianos escolares, insta a necessidade de transformar as escolas em ambientes sustentáveis para seus profissionais e estudantes. 

Escolas insustentáveis – cinzas, quentes, abafadas e apertadas – são contraproducentes em sua tarefa de promover aprendizagens, como ressalta Patrícia: “Precisamos compreender que as salas quentes deixam as crianças mais irritadas e com baixa capacidade de aprendizado”.

Os espaços escolares, nesse sentido, descumprem a teoria do ambiente como terceiro educador, evidenciando “a necessidade vital de retirada do concreto e introdução da natureza nas escolas para manter a saúde de profissionais e alunos e estimular a construção de uma consciência de preservação e amor à natureza nas futuras gerações”, como defendem Sheila e Arlete.

Desenvolver pedagogias para a formação do olhar, das sensibilidades e da responsabilidade com todos os seres vivos – humanos e não humanos – é uma tarefa da qual a escola nunca deveria ter se eximido e já não pode mais adiar. 

Como civilização, precisaremos encontrar saídas para mitigar as consequências do desequilíbrio desencadeado, a começar por políticas promotoras de justiça social e, por consequência, climática.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assuntos Relacionados

plugins premium WordPress
Inscreva-se aqui para receber nosso Boletim.
Siga-nos
Avante - Educação e Mobilização Social

Todos os direitos reservados