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“Nenhuma política pública é neutra”

A Rede Latino-americana de Alfabetização, relançada em maio deste ano, movimenta  o cenário das discussões sobre alfabetização no país com importantes debates em torno das políticas educacionais recentemente anunciadas pelo Governo Federal. Convidada pelo Ministério da Educação a emitir uma Nota Técnica sobre o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, a Rede discute diversos pontos controversos do Compromisso, a exemplo da “proposta de avaliação da fluência leitora, difundida amplamente pelo país como política de monitoramento das aprendizagens e que está baseada apenas no percentual de palavras reais e inventadas oralizadas por minuto, sem que isso represente necessariamente a compreensão do que se comunica” (Nota Técnica). 

A Nota Técnica da Rede perpassa todo o documento e traz uma importante leitura crítica de algumas fragilidades, entre as quais uma concepção subjacente que entende que ler é apenas decifrar e que escrever consiste somente em transformar sons em letras. 

Leia a íntegra da entrevista com a presidenta da Rede, Giovana Zen, que é  pesquisadora e Profa. Dra. da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Qual a importância política desse posicionamento da Rede, solicitado pelo Ministério da Educação do Brasil, em relação ao Compromisso? 

Um dos objetivos da Rede Latino-americana de Alfabetização é reforçar a dimensão política da Alfabetização na América Latina, especialmente em relação a políticas públicas e ações voltadas para a superação dos índices ainda expressivos de analfabetismo. Nenhuma política pública é neutra e há sempre um conjunto de concepções que orientam as suas proposições, ainda que não sejam declaradas. Por esse motivo, parece ser urgente explicitar pontos controversos do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada como, por exemplo, a concepção de alfabetização que ancora as matrizes e propostas do eixo Sistemas de Avaliação.

O que você destacaria como mais urgente em termos de prioridades na agenda da Alfabetização no País?

A questão da alfabetização é um desafio que se arrasta por décadas no Brasil e todas as iniciativas no âmbito federal revelam que políticas aligeiradas em busca de resultados rápidos não se sustentam. De fato, é preciso pensar em políticas que assegurem o vínculo imprescindível entre gestão, formação, materiais, infraestrutura e avaliação. No entanto, a formação de professores precisa se constituir como um aspecto central. Isso significa pensar em projetos de formação de professores que de fato consideram o que sabem os professores e o que precisam qualificar em suas práticas pedagógicas para oferecer as melhores condições de aprendizagem aos estudantes. Uma alfabetização concebida como a plena participação dos sujeitos nas diferentes práticas sociais de leitura e escrita pressupõe uma formação de professores que considere a escrita como um objeto cultural da maior importância e que não se limite a tratá-la apenas como uma representação dos sons da fala.

Olhando para a América Latina, como a Rede está se organizando, após o relançamento, para apoiar a (re)construção da agenda em torno do debate sobre Alfabetização?

Estamos nos organizando em várias linhas de trabalho, todas elas ancoradas na perspectiva construtivista psicogenética, a partir da qual é central aproximar o ensino da aprendizagem para que todos aprendam e isso implica considerar as hipóteses elaboradas pelas crianças sobre a escrita quando se ensina. Entre essas linhas de trabalho, destaco as seguintes:

  1. congregar os profissionais dos países da América Latina que realizam atividades de pesquisa, formação, docência e outras relativas à perspectiva construtivista psicogenética, envolvendo, dentre outros, pesquisadores, professores do Ensino Superior e da Educação Básica, associações, fóruns, sindicatos, organizações não governamentais e organizações da sociedade civil de interesse público comprometidas com a promoção de uma Educação de qualidade;
  1. realizar e incentivar estudos sobre a perspectiva construtivista psicogenética, além de promover a sua divulgação em diferentes contextos e ambiências;
  1. organizar e promover eventos acadêmico-científicos, atividades de produção e difusão de conteúdo e outras iniciativas similares, com possibilidade de interação e parceria com associações congêneres com vistas à produção e à atualização do conhecimento, assim como à socialização das experiências realizadas a partir da perspectiva construtivista psicogenética.

Leia o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.

Acesse a Nota Técnica da Rede Latino-americana de Alfabetização.

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