2016. Duas psicólogas e amigas inquietas, e inconformadas com a ausência de bonecas negras nas prateleiras, idealizam a Campanha Cadê Nossa Boneca? Na época, Mylene Alves e Ana Marcílio, consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social, organizaram ações de visibilização deste debate e um levantamento que revelou que 6% (2016) dos modelos de bonecas disponíveis nos sites dos fabricantes de brinquedos que integram a Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos – Abrinq, eram negras. Um número absolutamente desproporcional à realidade do nosso país quando pensamos na representatividade da população (56% – IBGE).
Já a edição de 2023 do levantamento da Campanha mostra que, do universo de 1.542 modelos de bonecas produzidas pelos fabricantes de bonecas da Abrinq, 1.333 são brancas e 209 são negras, correspondendo a 13,6% do total de bonecas fabricadas. Um quantitativo que se manteve estável ao longo dos anos (2016 – 2020) e chega a mais de 100% de aumento em relação ao último levantamento.
A ABRINQ conta com 68 fabricantes de brinquedos entre seus associados. Desses, 26 disponibilizam bonecas em seus catálogos e, entre eles, 18 oferecem modelos de bonecas negras, enquanto oito possuem apenas modelos de bonecas brancas. O fabricante com maior número de modelos de bonecas negras possui 59 modelos em seu catálogo, a Candide Toys. O que equivale a 34,7% do total de modelos de bonecas ofertados. Apenas um fabricante possui mais modelos de bonecas negras (52,8%) do que brancas em seu catálogo, a Trenzinho Brinquedos, com 17 brancas e 19 negras.
A Milk Brinquedos ofertou 71 modelos, dos quais 26 são negras, totalizando 26,8%, segundo o levantamento. A Milk é uma empresa familiar, localizada em Laranjal Paulista (SP), com atuação há 41 anos, e que busca, segundo Rafael Silveira Leite, “atender a diversidade dos vários grupos infantis existentes na sociedade”.
“Está na essência. Essa ideia foi herdada de meus pais, que sempre consideraram importante todas as crianças se verem representadas por um brinquedo parecido com ela ao entrar em uma loja”, conta. Leite informou que os pais compraram o primeiro forno em 1986, e começaram a produzir bonecas de vinil de 2 tamanhos, pequeno e grande, 2 brancas e 2 negras, pois consideravam que a presença de bonecas negras nas prateleiras era significativa para as crianças negras. Eles entendiam que elas, finalmente, “poderiam se identificar com seus brinquedos de maneira mais direta. Isso promovia a autoestima e afeto ao brinquedo, além de ensinar a importância da diversidade desde cedo”, relembra.
Em 1999, quando os filhos do casal – Rafael e o irmão Diogo Silveira Leite – iniciaram sua própria fábrica, a empresa Milk Brinquedos, passaram a representar diferentes tons de pele, estilos de cabelo e diversidades culturais, para, segundo eles, refletir sobre a riqueza da diversidade brasileira.
Atualmente, as vendas de bonecas negras representam, no portfólio da Milk, uma proporção de 30% do mercado. O estado da Bahia responde a um total de 40% das vendas de bonecas negras. “O mercado tem respondido positivamente e entendemos que ainda há espaço para crescimento. A representatividade de bonecas negras no mercado de brinquedos é fundamental para a promoção da igualdade e da autoestima entre crianças negras, permitindo que elas se vejam nas histórias que criam durante o brincar”, defende Diogo Leite, um dos diretores da empresa.
Uma novidade do levantamento da Campanha Cadê Nossa Boneca? deste ano é a variação fenotípica das bonecas, apresentando uma diversidade de marcadores identitários como: tons de pele, tipo de cabelo, nariz e boca. Pode-se perceber, por exemplo, que nos 13,6% há uma maior produção de bonecas com a pele marrom escura (69%) do que marrom clara (30%). Ao passo que nariz e boca ainda estão timidamente representados, com 3% e 2% da produção, respectivamente.
A Campanha Cadê Nossa Boneca? @cadenossaboneca busca fortalecer a representatividade por meio da divulgação de um levantamento bianual sobre a oferta de modelos de bonecas pretas no mercado. Além disso, fomenta a mobilização da sociedade a partir da divulgação de histórias de pessoas com suas bonecas e bonecos pretas e pretos, produção de conteúdo sobre o tema e visibilidade para as bonequeiras, majoritariamente mulheres negras que sempre sustentaram a produção artesanal de bonecas pretas.