A cidade tem um papel muito importante no desenvolvimento das crianças, sujeitos de direitos. Então, como podemos constituir alguma mudança que melhore a interação delas e das mulheres, em geral suas cuidadoras, com a cidade? A confluência do território com as questões de infância e gênero é eixo do livro Cidade, gênero e infância, lançado oficialmente no canal do Youtube da Romano Guerra Editora. O lançamento do livro amplia e revisita temas abordados na publicação organizada pelos arquitetos e urbanistas, Rodrigo Mindlin Loeb e Ana Gabriela Godinho Lima.
“A primeira mudança é dentro da gente”, responde a psicóloga e consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social, Ana Marcilio, que assina com a presidente da organização, Maria Thereza Marcilio, o capítulo Direito ao brincar – a experiência da Avante em comunidades de Salvador. A segunda é o retorno das crianças às cidades. “Estamos confinando as crianças, segregando-as na cidade e no meio rural”, enfatiza. A autora explica que, na cidade, dois fatores impactam diretamente nessa segregação, invisibilidade e confinamento: a violência e a velocidade.
“A cidade é feita para carros e autopistas, esses são dois grandes segregadores da autonomia das crianças nesse contexto”, diz a autora. “Outro grande segregador é a privatização dos espaços, do uso dos espaços”, afirma.
Ana Marcilio aponta a solução para iniciar a mudança: estar mais nos espaços públicos e usar mais a vida coletiva em sociedade, mudar, portanto, a lógica de vida. Segundo a consultora associada da Avante, a convivência coletiva, a reconquista dessa confiança de estar nos espaços públicos, conversar e escutar as crianças são caminhos para a mudança.
A resposta do sociólogo Hermílio Santos, um dos autores do capítulo Rua das meninas? Violência e espaço público no cotidiano de crianças em favelas do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo, destaca a inclusão e a participação: “Bastaria que os gestores considerassem as crianças. Elas são informantes qualificadíssimas e contribuiriam com a gestão dos territórios, porque são usuários por excelência e com competência para isso”, acredita o estudioso. “As crianças são experts em seus territórios. O diálogo com elas, em suas várias linguagens, é alternativa à violência cotidiana”, afirma o autor.
“As crianças têm uma ferida que se conecta com o sofrimento do planeta”, é a conclusão que o terapeuta junguiano, Roberto Gambini, tira da análise de sonhos. Gambini é autor do capítulo Sonhos infantis Experiências pedagógicas em quatro territórios: escola privada de São Paulo, escola pública de favela carioca, comunidade multiétnica na Bahia e aldeia Kamaiurá no Xingu. O começo da saída, segundo ele, é retomarmos nossa criança interior, é brincar, recuperar atributos perdidos da sabedoria da criança, ouvir as explicações dadas por crianças – e “que uma criança viva em cada adulto”, esse é o caminho apontado pelo estudioso.
O livro não pode faltar na lista de arquitetos e urbanistas, estudantes, agentes públicos que lidam com SGD e interessados em pensar soluções para respeitar os direitos das crianças, meninas e mulheres nas cidades, como o direito ao brincar e andar pela cidade com autonomia e segurança.
O evento de lançamento, com quase uma hora e 40 min de duração, mostra o entusiasmo com o qual a publicação foi concebida, pensada e produzida. Os editores, apoiadores, organizadores e autores celebram a coletânea de ideias aplicadas, que mostra que reaprender a brincar é uma das chaves para alcançar o elo perdido da infância, e valorizar a natureza como parte de nós é escolher que espécie queremos ser: seres humanos ou seres urbanos?
Aprender com as comunidades indígenas, sonhar com um futuro menos violento, mais saudável e feliz para as crianças, incluindo-as na construção de espaços de convivência nas cidades, estimulando e fornecendo dados aos poderes públicos para fazer cumprir a constituição (Art.227), pelas crianças e com as crianças, é missão desse grupo de multiplicadores de boas práticas para uma cidade e um mundo melhor.