Imaginem… Crianças de escola pública chegando ao ensino fundamental com mais de um ano meio à frente no desenvolvimento de sua curiosidade e criatividade, em comparação com colegas com perfil sociodemográfico semelhante. E mais, aquelas, filhas de mães com pouca escolaridade, com um a três anos à frente para o aprendizado inicial de português e matemática. Soa como um sonho de uma Educação Infantil de qualidade, não é? Pois foram alguns dos dados apresentados durante o encontro Diálogos: Perspectivas e desafios da Educação Infantil brasileira, à luz da experiência Paralapracá, na Quinta Portuguesa, em Salvador (BA), no início de dezembro. Os resultados são oriundos das ações do programa Paralapracá em 10 municípios do Nordeste, sistematizados no documento de avaliação externa de impacto do Programa, realizada pela organização Plano CDE.
Reunidos numa roda de conversa, representantes de movimentos sociais, Institutos e Fundações que incidem politicamente nos rumos da Educação do País, e representantes de municípios brasileiros dialogaram com o intuito de avançar no fortalecimento e expansão desse sonho concretizado. O encontro foi organizado pela Avante – Educação e Mobilização Social, que proporcionou um ambiente lúdico e acolhedor, coerente com os princípios do Paralapracá, cuja metodologia foi elaborada e aperfeiçoada a partir de parceria entre a Avante e o Instituto C&A, por meio do programa Educação Infantil, entre 2010 e 2017.
Sendo assim, os primeiros a se colocar na roda foram os representantes dos municípios atendidos pelo Programa, que trouxeram dados sobre a sustentabilidade, nas redes municipais dos princípios que têm transformado a vida de mais de 500 coordenadoras pedagógicas e 40 mil crianças, cuja metodologia conquistou a chancela do Guia de Tecnologias Educacionais do MEC/2015.
Sustentando uma Educação Infantil de Qualidade
Maceió e Camaçari, por exemplo, têm investido na continuidade das formações aos moldes do Programa em suas respectivas redes. Maceió convidou a Avante para colaborar com as reflexões sobre a transição entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, na busca por garantir uma concepção de espaço que respeite os tempos e os limites das crianças e que uma aprendizagem com base na vivência de experiências esteja presente em ambos os segmentos. Também por meio da continuidade da parceria com a Avante, Camaçari investe na continuidade das formações de coordenadores pedagógicos e técnicos da secretaria nas instituições, garantindo o papel de formador desses profissionais, conquistados nos cinco anos do Programa no município.
Natal também vem garantindo a formação continuada nas instituições e avança no comprometimento das gestoras, que passaram a ter espaço para opinar nas reformas dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), assegurando estrutura e condições apropriadas para a faixa etária. O município também investiu na compra de brinquedos a partir da concepção do Paralapracá e na construção de mais creches.
Assim como os demais, Maracanaú tem garantido a continuidade das formações de coordenadores, só que no formato itinerante, proposto pelo Paralapracá ao longo dos diálogos estabelecidos no município. Os locais das formações são sugeridos pelas coordenadoras pedagógicas, fortalecendo seu papel de formadoras e trazendo para o momento as coordenadoras recém chegadas à Rede, as do Ensino Fundamental e das creches contratadas. Um dia antes do evento, seis de dezembro, o município promoveu um encontro nos moldes do Trocando em Miúdos, tecnologia social da Avante, cuja proposta é proporcionar a troca de experiências, no caso, de práticas pedagógicas exitosas. Por esse mesmo motivo, Olinda não pode enviar um representante ao encontro, pois o Trocando em Miúdos do município aconteceu no mesmo dia do evento (07/12).
Patrícia Lacerda, gerente da área Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A disse que com a avaliação externa de impacto foi possível comprovar os resultados positivos da proposta do Paralapracá, conferindo segurança para disponibilizar a experiência para a sociedade brasileira. “A Avante segue com esse trabalho, podendo tanto prestar assessorias, como disponibilizar formações presenciais e a distância. Há várias formas de entrar em contato com os princípios do Paralapracá e de participar dessa experiência”, disse. Ela também afirmou que, para o Instituto, o grande legado é a ideia de que é possível trazer as diretrizes contidas nos documentos norteadores da Educação Infantil para a prática. “Esses documentos muitas vezes eram vistos como muito idealistas, muito distantes da prática, e com o Paralapracá vimos que é possível construir um caminho de aproximação do ideal com o real, com a cara das comunidades, com as crianças reais, com suas famílias reais, com professores reais e fazer grandes avanços”, disse Patrícia Lacerda.
Brasil
O objetivo central do evento foi promover o diálogo entre todos esses atores na busca por caminhos para o enfrentamento dos desafios que se impõem à Educação no momento atual do País. Com esse foco, integraram a roda nomes do cenário nacional que trouxeram sua colaboração, em suas áreas de atuação: Sumika Freitas, representante da Campanha Nacional Educação; Ângela Dennemann, da Fundação Itaú Social; Rita Coelho, pelo Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante, que também representou a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) e Patrícia Lacerda, pelo Instituto C&A. Como convidados estavam representantes baianos do Fórum Baiano de Educação Infantil (FBEI) e UNEB.
Em sua fala, Rita Coelho trouxe uma mensagem de esperança e força, afirmando que precisamos confiar no que foi construído até aqui. Rita endossou a fala de Ricardo Amorim, ex secretário de Educação de Barra do Choça (BA), que abordou as formas de financiamento de uma Educação Infantil de qualidade, em especial por meio do Programa de Ações Articuladas (PAR) do Governo Federal. “Acho que é um tema de formação tão importante quanto o currículo, viu Avante?”, provocou, Rita. “É muito importante nos apropriarmos da discussão de financiamento que passa pelo PAR, que passa pelas transferências voluntárias e, no entanto, nem as transferências obrigatórias, protegidas pela Constituição, como o FUNDEB, nós, da Educação Infantil dominamos. E o nosso compromisso com o FUNDEB é um compromisso de cada secretaria, da UNDIME, das Fundações, dos Fóruns de Educação Infantil e das ONGs de, realmente, acompanhar a tramitação [na Câmara e no Senado]”, disse Rita Coelho, que foi coordenadora de Educação Infantil – COEDI, órgão vinculado à Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC) até 2016.
Sumika Freitas focou sua fala nas ações de incidência realizadas pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que tem participado intensamente das tramitações políticas em um momento do nosso País no qual a Educação é centro das discussões. Ela também destacou a importância de acompanhar a tramitação sobre o FUNDEB e ressaltou a necessidade dos municípios de se apropriarem do debate juntamente com os conselhos municipais de Educação.
Sumika trouxe para a roda o tema do projeto Escola sem Partido, que ainda não havia sido arquivado e que, mesmo assim, exige uma atenção especial da sociedade, pois pode voltar a ser pauta no ano que vem. “O debate curricular deve ser acompanhado, esse é um espaço no qual se trabalha com formação de educadores e não com doutrinação. O espaço de currículo é plural, no qual redes de conhecimento são estabelecidas e onde vários atores, com várias narrativas e diálogos estão ali potencializando conhecimento. Isso precisa ser qualificado em nossas redes, em ações de formação, e também em uma rede maior para não nos deixar levar pelos denuncismos, que todos os dias acontecem nas secretarias de Educação e no processo de judicialização”, disse. Ela também pontuou a necessidade de um diálogo mais próximo com as famílias, buscando proximidade com aquelas que apoiam a docência do professor e que entendem o que é currículo. “É preciso dialogar com esses atores também, que estão ali acompanhando. Esse é um desafio colocado para a Educação Infantil – o de estar próximo a estas famílias, pois nesse segmento as famílias estão muito presentes, circulando nos espaços /tempos”, ressaltou Sumika Freitas.
Ângela Dannemann trouxe o olhar da Fundação Itaú Social que, assim como o Instituto C&A, tem sido parceiro nessa jornada. “Minha fala é de quem é gestora de uma Fundação que trabalha com o tema da leitura e da escrita – leitura na Educação Infantil e leitura e escrita no Fundamental I e II. Por questão de tradição de trabalho no setor, eu digo que é a Educação Infantil que dará a pauta da qualidade no futuro e se a gente não investe bem nela, a gente vai tropeçar e capengar, e sofrer ao longo de toda a Educação Básica aqui no nosso país. Isso acontece em todos os lugares”, disse a superintendente da Fundação.
Ângela compartilhou o novo formato do programa Melhoria da Educação e disse que conta com quem tem experiência no tema. “A Avante é um dos que tem experiência importante, não é à toa que conduz o Paralapracá há tantos anos. A gente não vai personalizar, no sentido do Programa, mas vai convidar um parceiro que tem como tradição trabalhar bem e tem bons resultados na temática para dar ao município um diálogo de qualidade, que passe por um processo de afeto. É assim que se leva as coisas para as pessoas, com qualidade. Não é entregar a quem é pobre coisa ruim. É entregar a quem é pobre, coisa melhor do que se entrega a quem pode comprar. Esse é o ponto aqui. É um prazer poder contar com alguém que sabe e entende bem e tem bons resultados de avaliação em Educação Infantil, apreciados pelos próprios municípios com quem trabalha”, disse Ângela Dannemann.