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A força do abraço no combate à violência

Dizem que o abraço tem o poder de arrumar a gente por dentro. Sensível a esse poder, a equipe do projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos percebeu, durante a contação de histórias, nos momentos de brincadeira com as crianças e adolescentes da Ocupação Quilombo do Paraíso, no Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA), que o abraço é um gesto que pode ajudar a mudar o contexto de violência comunitária em que vivem.

Tudo começou com o brincar no espaço público. Da brincadeira de bola, corda, jogos e torneios esportivos, a equipe do Projeto chegou à contação e representação de histórias. “Um fato que chamou nossa atenção foi a dificuldade das crianças de representar a história quando os personagens tinham que se abraçar”, conta Jesus Silveira, educador brincante do Estação Subúrbio. “Isso não se manifesta quando é para nos abraçar. Elas nos abraçam muito quando chegamos ao bairro para brincar. A partir disso, começamos a olhar mais de perto para essa dificuldade e a refletir sobre a experiência do abraço”, contou o educador.

Histórias

As histórias contadas para o grupo da Ocupação Quilombo do Paraíso foram trazidas por Jesus, e integram uma coleção de livros produzidos em um projeto no qual ele trabalhou na Ong Pazafavor, de Buenos Aires – Argentina, seu país de origem. Após a contação, o grupo faz um representação de alguns dos personagens: uma bruxa, um rato, um médico. “Elas gostam muito de se fantasiar, de representar e de aprender as histórias. Ao final da contação e da representação, refletimos sobre o que fizemos e o grupo fecha a atividade fazendo desenhos das cenas que mais gostaram”, conta o educador.
O primeiro impacto veio com a contação da história A força do amor, escrita por Joaquín Vazquez Blanco, adolescente de 14 anos atendido pela Ong Argentina. Nela, Joaquín expressa o sentimento de uma criança que vai desaparecendo devido a falta que sente da mãe, que passa o dia fora trabalhando. O Conto é finalizado com um abraço entre a mãe e seu filho que, como consequência do gesto, deixa de desaparecer. Foi nesse momento, na representação dessa cena, que a realidade caiu dura, pela primeira vez, sobre a equipe do Estação Subúrbio. “Elas se negaram a se abraçar”, disse Jesus.

Intercâmbio

A experiência de Jesus na Ong Pazafavor e na Avante, esta última por meio do Estação Subúrbio, proporcionou às crianças e adolescentes da comunidade conhecer um pouco de seus pares de outro país, e abrir seus braços para outras realidades. E aos adolescentes argentinos, perceber o poder de suas histórias. Tudo começou quando Jesus enviou os desenhos feitos pelas crianças da Ocupação para Joaquín, “ele ficou surpreso, não acreditava! e falou pra mim: ‘agora minha historia é internacional!’. Ele gostou muito de ter chegado tão longe com seu conto. Falei que as crianças tinham gostado muito, e ele ficou ainda feliz”, disse.

Abraçar abraçando

Jesus Silveira ressalta a força do exemplo na educação e no aprendizado de abraçar. “Quem trabalha com crianças sabe que elas são grandes imitadoras, que elas repetem o que vêm e o que “não vêm” também. Foi por isso que começamos a olhar para a comunidade e, alertados por esses episódios durante a contação de histórias, percebemos que poucas vezes víamos abraços entre os moradores, entre uma mãe e seus filhos, entre as crianças, entre amigos, entre os mais velhos”, disse.

O abraço estabelece uma linguagem simbólica entre a pessoa que dá, e a que recebe e gera inúmeros benefícios, difíceis de enumerar, uma vez que teríamos que parar em cada situação específica, observar o contexto, a motivação, as pessoas envolvidas e a história de cada um.  No contexto da Ocupação Quilombo do Paraíso podemos destacar: a diminuição do estresse, sentimento de segurança e proteção, melhora a autoestima, transmissão de coragem e energia, melhora os relacionamentos interpessoais, além de proporcionar sentimentos de tranquilidade.

Considerando esses aspectos, a reflexão da equipe do Estação Subúrbio parte do princípio de que, para que haja um abraço entre as pessoas, é fundamental a presença da confiança. “A criança tem que abrir os braços, e se envolver nos braços do outro. O abraço é um encontro de corações, uma forma de saudação, carinho ou conforto, e quem tem sofrido muito tem muita dificuldade para confiar, pois fica com medo de sofrer novamente”, reflete Jesus Silveira.

Nos trilhos dos direitos

Voltado para crianças a partir dos 4 anos a adolescentes até os 14, e os detentores de deveres – familiares, professores, membros do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD) da Criança e do Adolescente e a comunidade do Subúrbio Ferroviário, o projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos visa a redução da violência comunitária urbana, sobretudo de crianças e adolescentes da Ocupação Quilombo do Paraíso, Plataforma, Periperi e Bairro de Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador.
“Sabemos que existem diversas ferramentas para conseguir isso. Depois que a gente descobriu essa dificuldade com o abraço, tanto das crianças como da comunidade em geral, encontramos na experiência de abraçar uma nova ferramenta, uma possibilidade para conversar com as mães de como promover mais esse gesto entre elas e seus filhos, entre as crianças, etc. O abraço pode resultar numa grande ferramenta de reconstrução do tecido social, uma estratégia para recuperar a confiança entre os morados, dentro da família e entre os colegas”, sentencia Jesus.

Estação Subúrbio atua no território desde 2017 e prossegue até 2021 com ações para aumentar o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos da criança e adolescente. O Projeto, de iniciativa da Avante – Educação e Mobilização Social em parceria com a instituição alemã Kindernothilfe E.V., realiza atividades de estímulo ao livre brincar em espaços públicos comunitários, com o intuito de promover o sentimento de pertença, ampliar o cuidado com o ambiente comunitário e melhorar a qualidade das relações interpessoais.

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