Experimentar a variedade de linguagens artísticas e culturais de sua cidade nem sempre é possível para crianças de bairros populares de Salvador. Mais do que isso, nem sempre é possível experimentar a cidade e entrar em contato com outros bairros, praças, espaços de lazer e cultura para acessar a riqueza das histórias de vida que pulsam em seu município. A experiência tem sido proporcionada aos públicos atendidos pela Avante – Educação e Mobilização Social, por meio do intercâmbio Trocando em Miúdos – tecnologia social desenvolvida pela instituição e inserida entre as ações de seus projetos de formação e mobilização. No dia 27 de outubro foi a vez das crianças do Subúrbio Ferroviário, em Salvador (BA), atendidas pelo projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos (Avante e KNH) visitar o Pelourinho pela primeira vez e assistir à peça O Barão na Árvore, no Arena Teatro SESC Pelourinho.
“Gostei quando a gente estava dentro do ônibus, que a gente brincou, mandaram a gente colocar o cinto de segurança”, lembra Andressa, 12, que fez questão de compartilhar a experiência com a mãe. “Minha mãe falou que gostou que a gente foi se divertir, porque aqui [na comunidade] a gente fica parado”, disse. Já Juciara, mãe de Álef e de Álisson, que integraram o grupo do intercâmbio, conta: “Eu amei que meus filhos saíram, se divertiram e chegaram aqui me dizendo que gostaram, que foi ótimo, que brincaram. Foi a primeira vez que eles fizeram algo assim”.
“Para muitas daquelas crianças este passeio representou a primeira vez em um teatro. O que era isso? Como era? Isso gerou uma enorme mobilização afetiva, de maneira que os atrasos que normalmente acontecem em passeios como este não aconteceram”, disse Zé Diego, educador brincante do projeto. Zé Diego acompanhou o grupo, juntamente com Camila Souza, também educadora brincante do Estação Subúrbio, até o Pelourinho, onde chegaram todos eufóricos, curiosos e inquietos, quando dispararam a primeira pergunta: onde fica o teatro?
Antes de visitarem a arena de espetáculos e mergulharem no mundo lúdico das artes cênicas as crianças passearam pelo Centro Histórico, a fim de conhecer um dos pontos mais conhecidos da cidade que, para alguns, não parecia ser tão sua. No entanto, a expectativa e a ansiedade em conhecer o teatro encurtou o passeio. “Quando voltamos para o teatro ainda era cedo e pudemos ver a peça sendo montada enquanto lanchávamos. Fizemos um tour pelas instalações do SESC Pelourinho e eles ficaram completamente encantados com a sonoplastia e a iluminação. Pra eles, aquilo era quase mágica!”, relata Zé Diego.
Depois do tour só restava aguardar a peça. Foi quando elas se depararam com muita música, encenação e contação de histórias, em um espetáculo que narra as aventuras do garoto Cosme, de 12 anos, filho primogênito do barão de Rondó que, revoltado com o comportamento dos pais, decide subir na árvore e nunca mais descer. “Aquele que pretende observar bem a terra deve manter a necessária distância”, declara o protagonista do romance, vivido pelo ator, palhaço, circense, músico e produtor Marcos Lopes.
Elas assistiram, riram e estranharam, pois era tudo meio diferente do pouco que conheciam do mundo cênico. “Alguém contando histórias que não eram tão concretas, que fugiam da materialidade do real… Isso não era algo tão fácil de processar, mas ainda assim encantava”, lembra Zé Diego. Ao final, o convite para entrar em cena, ajudar o ator, fazer parte, por alguns instantes, de uma outra história, diferente daquela da vida real, cheia de mágica, cor e diversão. “Tudo que é novo é estranho, mas também se torna referência, repertório de outras possibilidades de contar as suas histórias”, disse o educador do Estação Subúrbio.
“Eu já tinha ido ao Pelourinho, mas nunca fui ao teatro SESC Pelourinho. Foi a primeira vez e eu gostei. Lá tem dois palcos: o de cima e o de baixo. E também tem o restaurantezinho para quem tiver com fome poder almoçar lá…”, disse Tainá, 12, que contou ter aprendido um tanto com a peça. “A gente pode preservar as árvores, pode plantar mais árvores pra a gente não ficar doente sem elas. São elas que nos dão as frutas pra comer, de onde tiramos nosso alimento. Foi legal, eu gostei, foi todo mundo e voltou todo mundo bem… Foi muito bom!”, disse Tainá.
Franciele, de 10 anos, também nunca tinha ido ao Pelourinho e diz ter adorado conhecer o teatro. “Eu aprendi várias coisas. Como a fazer marionetes, por exemplo. Mas o que eu mais gostei foi na hora de pendurar os bonecos em cima da árvore. A peça foi sobre um menino que subia na árvore e herdou o tesouro todo do pai e doou tudo para os outros”, conta.
Trocando em Miúdos
Zé Diego, que integrou a equipe da Avante esse ano para as ações do Estação Subúrbio, observa o papel do intercâmbio dentro do projeto.“O fato delas se deslocarem do lugar habitual gera a possibilidade nestas crianças de mover-se também subjetivamente, fomentando a chance de experimentar a si mesmo e o outro de formas novas e surpreendentes”. Para ele, a experiência possibilitou a ampliação do repertório lúdico e fantasioso das crianças, alimentando-as com uma possibilidade outra de contar as suas próprias histórias. “Elas ganharam essa possibilidade de ultrapassar a materialidade crua vivenciada cotidianamente numa realidade áspera, de escassez, em suas diversas facetas: econômicas, sociais, afetiva, etc. Nosso intuito foi oportunizar uma experiência estética que mobilize essas possibilidades outras de vivenciar e expressar sua existência. Quem sabe alargando um pouco sua sensibilidade ao perceber e se expressar no mundo”, disse Zé Diego.
Uma experiência como essa já havia sido vivenciada pelo grupo em 2017 quando o projeto as levou para assistir ao espetáculo de dança Meu querido catavento, no Espaço Cultural Plataforma e para conhecer o Parque da Cidade. Não para por aí, o Trocando em Miúdos promovido pelo Estação Subúrbio levou o grupo, no dia 17 de novembro/18, à CAIXA Cultural para conhecer as exposições: O Trem da História e Asè – Poéticas de Empoderamento.
Estação Subúrbio
O projeto, realizado por meio de parceria entre a Avante – Educação e Mobilização Social e Kindernothilfe, visa a redução da violência comunitária urbana, sobretudo de crianças e adolescentes, com ações que estimulem o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos da criança e do adolescente, na colaboração para o desenvolvimento infantil, o cuidado com o ambiente comunitário, promovendo o sentimento de pertença e a qualidade nas relações interpessoais.