Se pedissem para fechar os olhos, e lembrar de algo da infância, o que você recordaria? O cheiro do arroz-doce feito pela vovó, aquele brinquedo tão esperado no Natal, a correria no pega-pega com os amigos? Cada pessoa guarda algum momento inesquecível da infância, mas nem todas têm algo bom a recordar. Às vezes, a brincadeira, a imaginação e o afeto, tão primordiais para o desenvolvimento humano, é um terreno desconhecido por muitos.
Agora, imagine o que é para alguém que não teve acesso a esse terreno, ter tudo num dia só: brincadeira, imaginação e afeto. Foi o que aconteceu com a dona de casa Aneide Carrilho, que experimentou pela primeira vez, aos 54 anos, ir ao teatro. “Eu nunca tinha participado de um teatro. Então, eu achei maravilhoso, uma delícia. Nunca dei tanta risada assim na minha vida”, conta encantada, depois de acompanhar a filha Meire Carrilho, uma das participantes do projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos.
As duas assistiram ao espetáculo de dança “Meu querido catavento”, no Espaço Cultural Plataforma, junto a outras crianças que participam do projeto, uma experiência que também marcou a consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenadora do Estação Subúrbio, Ivanna Castro. “O que mais marcou foi o olhar de felicidade deles, e essa sensação de irem pela primeira vez. Foi uma experiência grandiosa, na linha do que a gente tem pensado, que é oferecer esses espaços de lazer. Acho que levar os meninos para essa convivência com a arte, a cultura e o lazer, será um grande impulsionador para a redução da violência comunitária.”
A atividade possibilitou às crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social, em Plataforma e na Ocupação Quilombo do Paraíso (Colinas de Periperi), acesso ao teatro, à cultura e a espaços comunitários, muitas delas pela primeira vez. Uma das estratégias do Estação Subúrbio para aumentar o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos da criança e adolescente.
Executado pela Avante – Educação e Mobilização Social, em parceria com a organização alemã Kindernothilfe (KNH), o projeto vai atuar no território até 2021, com ações que visam reduzir o índice de violência comunitária, sobretudo de crianças e adolescentes, nos bairros de Plataforma e Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Parceria comunitária
A ideia da atividade surgiu de uma parceria com o Centro Cultural Plataforma, que já havia cedido uma sala para as atividades do projeto. O espaço, em especial a sala principal do teatro, sempre encantava as crianças. Foi aí que a equipe do Estação Subúrbio, em articulação com as lideranças comunitárias, se deu conta de que não tinha uma programação infantil no Centro Cultural.
A equipe levou essa demanda à Coordenação do Centro Cultural Plataforma, que em articulação com a ExperimentandoNUS Cia. de Dança, abriu agenda para o espetáculo “Meu querido catavento”, do Coletivo Trippé (Juazeiro-BA), compondo a Mostra CORPOCIRCUITO, uma ação do projeto PARADEZDANÇAS, viabilizado por meio do edital de Apoio a Grupos e Coletivos, da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB/SECULT).
Foi assim que, no dia 26 de agosto, o espetáculo convocou o olhar do público para dar vida aos objetos e criar um universo lúdico a partir de sacolas, panelas, caixas. Uma grande farra, que encantou os participantes do Estação Subúrbio, com direto a subir no palco, junto com o elenco, seguida de uma confraternização na Praça São Braz. E o mais importante, construir uma narrativa que até então, parecia longínqua: imaginar e elaborar uma vida plena, dissociada do cotidiano tantas vezes violento e miserável.