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Educação antirracista começa na primeira infância

O live-action de A Pequena Sereia chegou ao Brasil no rastro do sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, final de maio. A produção da Disney, que traz uma inédita Ariel negra, interpretada pela atriz e cantora norte-americana Halle Bailey, vem acompanhada de uma série de produtos, entre os quais a boneca oficial da linha Barbie, inspirada na Ariel de Halle, negra e com cabelo ruivo acobreado. Sucesso de vendas na Amazon dos EUA desde o seu lançamento, a boneca aquece o importante debate sobre representatividade no mercado de brinquedos, uma bandeira da Avante – Educação e Mobilização Social, que, desde 2016, toca a campanha Cadê Nossa Boneca?.

Recentemente, Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante,  e Karina Rizek, consultora associada, deram mais uma demonstração do quanto a agenda da representatividade negra nos brinquedos é importante para a instituição. Em visita ao CEI Professora Eunice Pinheiro Machado Padovan, centro de Educação Infantil que atende 483 bebês e crianças de 0 a 3 anos e 11 meses, na cidade de São Paulo, presentearam a unidade com bonecas negras produzidas por artesãs de todo Brasil, colaborando para a consolidação da prática de uma educação antirracista desde a primeira infância. 

“Primeiramente ficamos muito gratas com o presente. As bonecas estão fazendo sucesso em meio aos bebês e crianças da unidade. Acreditamos ser muito importante a presença de bonecas e brinquedos que representem todas as crianças, que elas possam se enxergar e se sentirem representadas e valorizadas em suas singularidades. Com certeza as bonecas contribuirão para uma uma educação antirracista e inclusiva, onde todos os bebês e crianças são valorizados e respeitados”, declarou a diretora do CEI Padovan, Cíntia Manieri Marciano.

A escolha da unidade se deu por conta de um circuito de visitas e formações que foram realizadas pelos participantes brasileiros durante o Intercâmbio Internacional Trocando em Miúdos, realizado em São Paulo e no Equador (Quito, Tumbaco e Cotacachi), em fevereiro deste ano. Na ocasião, profissionais de diversas áreas interessados nos cuidados e na educação das crianças conheceram a escola antes de partirem para o Equador, onde foi realizada a décima edição do Intercâmbio. 

Para realização da curadoria e compra das bonecas doadas, a Avante realizou uma campanha convocando artesãs de todo Brasil a enviarem seus trabalhos e suas histórias. As bonequeiras  Ana Karolina (@ayeafro), Luane Rodrigues (@dlua_arteempanos), Lúcia Makena (@bonecasmakena), Michelle Ogasawara (@amikifaz_amigurumi), Nayane Diaz (@obaxatelier), Preta Ary (@negritaarteira) e Tatiana Rosa (@meninaarteirabonecasdepano) participaram do chamado e as produções de Michelle Ogasawara e Preta Ary foram adquiridas, assim como outros brinquedos da Casa do Artesanato, em Salvador, e site da Magalu.

“Escolhemos produzir bonecas negras por acreditar que as brincadeiras deveriam ser inclusivas, onde as crianças, em especial as negras, pudessem ter possibilidade de se enxergar nos brinquedos”, conta Tatiana Rosa, criadora do Menina Arteira. Histórias semelhantes a dela inspiram o trabalho de outras artesãs, como Luane Rodrigues, que defende que a representatividade através das bonecas possibilita a elevação da autoestima e a construção da identidade. “Não existe nada melhor do que presentear uma criança negra com uma boneca em que ela possa projetar sua autoimagem”, afirma a fundadora da D’Lua – Bonecas de Pano. 

Cadê Nossa Boneca?

A representatividade integra a formação social e intelectual das crianças, que, desde muito cedo, é apresentada aos papéis, às normas e espaços sociais reproduzidos em brinquedos e brincadeiras. É indiscutivelmente importante considerar a representatividade na formação da subjetividade e da identidade, no entanto, quando se é, por exemplo, pessoa com deficiência, LGBTQIA+, pessoas negras ou indígenas, esse direito de se ver representado no mundo é constantemente negado. 

A campanha Cadê Nossa Boneca? nasceu em 2016 como uma grande ação de conscientização via mídia social, que visava sensibilizar a sociedade sobre a importância da representatividade no mercado de bonecas. Desde o início da campanha, poucos avanços foram registrados. O primeiro levantamento realizado junto aos fabricantes afiliados à Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (ABRINQ) revelou que a quantidade de modelos de bonecas negras presente em seus portfólios representava apenas 6% do total das fabricadas. A oferta desses modelos em lojas online ficou em torno de 9% entre as comercializadas.

Em 2018, o levantamento revelou que pouco havia mudado em dois anos: apenas 7% dos modelos fabricados eram de bonecas negras. Em 2020, último ano em que a pesquisa foi realizada, mais uma vez, aproximadamente 6% do total da amostra eram de bonecas negras. O fato é que bonecas negras são uma raridade nas linhas de produção de brinquedos e nas prateleiras de lojas infantis virtuais, o que se configura como um problema grave.

Estudos mostram que as crianças conseguem distinguir características raciais e de gênero, antes mesmo de aprender a andar. Entre 2 e 4 anos, internalizam vieses raciais, o que precisa ser levado em conta durante o brincar, contexto de estímulo de aprendizado e socialização amplamente preconizado, que deve ser idealmente permeado por ambientes que propiciem a diversidade. 

A importância do brincar

Brincar é um modo de viver, de ser criança, é a fonte do desenvolvimento. Portanto, a fonte do desenvolvimento do ser humano é o ponto de encontro entre dimensões afetiva e cognitiva. Por meio do brincar, a criança adquire maneiras de entrar em relação com o mundo externo, desenvolve as potencialidades cognitivas, relacionais e afetivas. Cria e experimenta as capacidades cognitivas, descobre a si mesma, relaciona-se com os colegas da mesma idade, desenvolve a própria personalidade. É pelo brincar que o corpo se torna protagonista, constrói o contato com os materiais, insere-se em situações e experiências que criam trocas; de ideias, de jogos, de materiais. Ocasiões que podem se transformar em instrumentos de mediação e de escuta do outro, que podem determinar um importante enriquecimento dos conhecimentos individuais. (…) O brincar representa, de fato, um fator de desenvolvimento cognitivo nos primeiros anos de vida de um indivíduo” Daniela Martini (2020). (O projeto educativo: Conexões e Significados, in Educar é a busca de sentidos. Editora Ateliê Carambola Escola de Educação Infantil, 2020).

Referências

MARTINI, Daniela. O projeto educativo: conexões e significados IN Educar é a busca de sentidos. Editora Ateliê Carambola Escola de Educação Infantil São Paulo: 2020.

Sugestão de leitura

O experimento psicológico com bonecas que venceu a segregação racial nos EUA, por Bruno Vaiano.

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