Tempo para a literatura

“Interagir com o livro não é só ouvir a história que o professor conta. A criança tem que pegar no livro, tem que brincar com o livro. ”A afirmação é de Claudia Pimentel, doutora em educação e especialista em literatura e educação infantil, e foi feita durante sua palestra no VIII Encontro de Formação Paralapracá, realizado em Natal, entre 8 e 12 de junho. A plateia, composta por coordenadores pedagógicos do município e por toda a equipe do projeto Paralapracá, acompanhou a professora em suas ponderações sobre a importância da literatura na educação infantil.

“A linguagem escrita tem a ver com expressão. Quem estuda a língua são os filólogos, os gramáticos. Não é isso que a gente espera da criança. A gente espera que a criança possa ter oportunidades com as diversas formas de expressão”, destacou, considerando que a linguagem, nas suas diferentes expressões, é constituinte do sujeito. “Não podemos perder de vista o papel da educação infantil como constituinte do sujeito. São contextos enunciativos que nos formam. E as crianças vão se expressar, interagir e, principalmente, se constituir nessa relação com o outro — o outro que é também um livro, um personagem”, afirmou.

Segundo Claudia, brincar de ler aproxima as crianças da literatura. “Quando a criança brinca de ler, ela tem que ter repertório. Ninguém nasce sabendo o ‘era uma vez’. Isso é típico de narrativa. Quando as crianças estão fazendo esse exercício, vão se aprimorando na capacidade de narrar, que é uma experiência importante.” As brincadeiras também contribuem com essa aproximação, uma vez que têm muitas coisas em comum com os livros, como papéis predefinidos e narrativas próprias.

Claudia apontou que a leitura amplia experiências, ao oferecer ao ser humano a possibilidade de “existir” na ficção. Mas para que esse encontro entre a criança e a literatura aconteça na educação infantil, a leitura tem que ter significado para a criança e ser objeto de seu desejo. “A criança tem que ver a literatura como necessidade de se comunicar e de entender o mundo, a si e ao outro”, completou a palestrante.

Para incentivar esse encontro e propiciar experiências diversas, Claudia acredita que a relação da criança com o livro deve ser cuidada na educação infantil por meio da escuta, da garantia do tempo da criança com o livro. Especialistas também destacam a importância das atividades de mediação da leitura na educação infantil para a promoção de um vínculo afetivo com esse tipo de linguagem.

“Temos que garantir na nossa pedagogia cotidiana que as crianças tenham tempo para fazer suas escolhas e ficar com os livros. Claro que quando as crianças escolhem, muita gente já escolheu por elas. Mas, mesmo assim, a gente tem que garantir o direito das crianças de escolherem os livros que elas querem pegar e a forma de ler esse livro: sozinhas, com o colega, num canto da sala…”

Não é à toa, disse Claudia, que as crianças pedem “conte outra vez”. Segundo pontuou, as crianças têm o seu tempo de escuta e o cotidiano da educação infantil não pode atropelar esse tempo. “Temos que nos colocar do lado, lado a lado. As relações muitas vezes influenciam nessa escuta. Vamos juntos, e não vamos tão depressa”, frisou.

Do berçário à família, com leitura e com afeto

Ensinamentos como os da professora Claudia Pimentel vêm ganhando ressonância na prática do CMEI Amor de Mãe, localizado na zona leste da cidade de Natal. Por ali, a relação das crianças e de toda a comunidade escolar com o livro e com a literatura é prioridade. Integrante do projeto Paralapracá na capital potiguar, o CMEI foi uma das 19 escolas vencedoras da terceira edição do concurso Escola de Leitores, uma ação do programa Prazer em Ler do Instituto C&A. Em comum, o programa Prazer em Ler e o projeto Paralapracá, especialmente em seu eixo dedicado à literatura, incentivam a cultura de leitura literária em toda a comunidade escolar e estimulam a formação de um comportamento leitor desde o berçário.

O concurso Escola de Leitores visa mobilizar as comunidades escolares para a implementação e o aprimoramento de projetos e políticas de formação de leitores de literatura, em redes municipais de ensino. A ação é realizada em parceria com as Secretarias de Educação das cidades participantes — Natal, Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) — e se destina a escolas de educação infantil, ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O projeto premiado do CMEI Amor de Mãe, “Do berçário à família, com leitura e com afeto”, foi apresentado ao público da VIII Formação Paralapracá pela coordenadora pedagógica da instituição, Ana Karla Gomes de Araújo Freitas. O início do projeto remonta a 2010, quando o acervo de livros começou a ser constituído. De lá para cá, a literatura vem ganhando cada vez mais importância nos espaços e nas ações do CMEI.

Logo na entrada da instituição, um cantinho de leitura convida as famílias e os amigos a entrar para ler. A sacola literária vai diariamente para casa, com um livro por aluno. Desde o ano passado, a instituição conta com um mediador de leitura — que lê histórias três vezes por semana para cada turma. Quinzenalmente, os bebês participam de banhos literários, mergulhando e brincando em uma piscina com livros à prova d’água. Oficinas literárias, encontros com as famílias e contação de histórias com a participação dos pais também são parte da rotina do CMEI.

“Por meio da leitura, os bebês começaram a interagir mais. Entre os resultados alcançados com esse projeto, percebemos o desenvolvimento da oralidade das crianças, o aumento da concentração delas ao ouvir histórias e o desenvolvimento do comportamento leitor”, avaliou Ana Karla.

A coordenadora foi uma das representantes do projeto a participar de um intercâmbio à Colômbia, realizado entre 26 de abril e 3 de maio deste ano, como parte da premiação do Escola de Leitores. O intercâmbio teve como principal objetivo apresentar ao grupo de vencedores do concurso as políticas de promoção da leitura e o sistema de bibliotecas públicas da Colômbia, considerados um bom exemplo na América Latina. “A viagem agregou muito aos conhecimentos que já tínhamos na escola e nos deu ideias do que poderíamos fazer dentro da instituição”, afirmou Ana Karla.

Além do intercâmbio, as instituições vencedoras do concurso Escola de Leitores receberam R$ 15 mil cada uma para o desenvolvimento de seu projeto de leitura. Elas também participam de um programa de formação e acompanhamento técnico e contam com apoio para a apresentação e a divulgação do projeto em congressos, seminários e similares no Brasil.

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