Estação Subúrbio e famílias – diálogo sobre direitos das crianças em tempo de COVID – 19

Com o isolamento social já decretado pelos governos, a equipe do Estação Subúrbionos trilhos dos direitos (Avante e KNH)escolheu por manter o encontro com famílias na Ocupação Quilombo do Paraíso, no Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA), no último dia 20 (março/2020). A pedido da comunidade (adultos e crianças), e após uma rodada de dois meses de visitas domiciliares, o encontro aconteceu com o objetivo de promover uma reflexão sobre o papel da família na garantia de direitos das crianças. Tema que durante a pandemia do Covid-19 torna-se ainda mais emergencial.

Participaram 18 pessoas dentre mães, pais e outros familiares das crianças atendidas pelo Projeto, além de lideranças comunitárias. “Colocamos todos juntos para trabalhar, no grupo, aquilo que saiu nas conversar individuais durantes as visitas”, disse Ana Marcilio, consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social e coordenadora do Projeto.

Respeitando as diretrizes dos órgãos oficiais e preservando, ao máximo, a comunidade, os moradores tiveram o cuidado de reuniu-se em local arejado, com bancos trazidos de casa, mantendo a distância recomendada. Ana Marcilio iniciou o encontro trazendo para pauta um pedido das crianças – uma reflexão sobre como os familiares podem ajuda-los na interrupção do ciclo de violência, visto que os próprios adultos alimentam a cultura da violência com orientações de “revidar quando apanham, ao aplicar castigos físicos se eles se metem em briga, ou se voltam ‘apanhados para casa’”, resume a coordenadora do Projeto as falas dos próprios familiares.

A mensagem para as crianças fica bem confusa. Em especial, quando são incentivadas a refletir sobre a existência de outros caminhos possíveis na resolução dos conflitos. Então, o que fazer? Conversar, como fazem nas rodas do Estação Subúrbio? Ou revidar? Como orientam pais ou responsáveis? Rita, liderança comunitária da Ocupação, relata o papel do Projeto no despertar de outras perspectivas. “Só pensamos em trabalhar, trazer comida para dentro de casa e quando chegamos não queremos escutar o que aconteceu durante o dia com nossos filhos.  Eles estão violentos e precisamos ter a dimensão disso. Infelizmente, não são nossos, são do mundo, e esse mundo é cruel. Tentamos de todas as formas dar um horizonte a eles, que vivem, de fato, dentro da periferia. Não podemos comparar a criação deles com a dos filhos dos nossos patrões. Existe uma diferença e precisamos entender essa diferença”, afirmou.

A reflexão foi posta na roda num momento bem oportuno. Dados coletados de países que vêm passando pela situação de isolamento social antes de nós, e números iniciais registrados no Brasil pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) anunciam aumento das denúncias de violência doméstica atendidas pelo Ligue 180 (sabia mais), lembrando que muitos casos acabam por não ser denunciados, justamente por acontecer no ambiente domiciliar. Dubravka Simonovic, relatora especial da ONU sobre Violência contra a Mulher, recomenda que os governos se empenhem na defesa dos direitos humanos de mulheres e crianças e adote medidas urgentes para as vítimas deste tipo de violência (Saiba mais)

Apoio

Os representantes da comunidade e a equipe do Estação Subúrbio dedicaram-se também a encontrar formas de não soltarem as mãos, mesmo na distância. Foi decidido, então,manter contato via novas tecnologias, adaptando-se ao momento. “Faremos a comunicação via WhatsApp tanto para informar, como para sermos informados sobre os acontecimentos em torno do coronavírus. Precisamos estar juntos, apesar de todo o isolamento. A ideia é continuar trabalhando para garantir o brincar e a proteção contra violências nesses tempos. Frisando que casas apertadas e o convívio intenso podem aumentar o nível de violência doméstica, é fundamental lembrar aos pais da importância das crianças brincarem, dos próprios adultos se divertirem como medida de proteção, além de fazerem o exercício da tolerância e da paciência”, acrescentou Ana Marcílio.

Ao emergirem da experiência, o grupo se reunirá novamente para uma repactuação sobre o papel dos adultos no rompimento da cultura da violência na comunidade. “Acredito que tenhamos conseguimos plantar no coração de cada um, alguns questionamentos: Será que devo mesmo mandar revidar? Será que abrir mão da surra como castigo quando se metem em briga pode funcionar?”, contou Ana Marcilio.

Desafios diante do Covid-19

Era inevitável vir à tona a temática da pandemia do coronavírus. Segundo Ana Marcílio, a própria comunidade já esperava que o Projeto tocasse no assunto e ajudasse na conscientização dos moradores. Da conversa, emergiram muitas das aflições que tomam os moradores da Ocupação no momento. Dentre elas – como garantir condições básicas para higiene sem água e saneamento básico? Justo quando se iniciavam as recomendações de isolamento social a EMBASA anunciou dois cortes no abastecimento em diversos bairros populares de Salvador, amplamente divulgados pela imprensa (confira matéria). “A preocupação da comunidade estava em como garantir a higienização nessas condições. Em tempos como esse, faz-se necessário que os poderes públicos voltem seu olhar para as populações mais vulneráveis e garantam o acesso às condições básicas de higiene, pelo menos”, disse Ana Marcilio, que ressaltou a necessidade de também falar sobre o distanciamento social que o momento impõe, e o que isso implicaria em termos da atuação do Estação Subúrbio.

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