Direito à cultura: crianças da Ocupação Quilombo do Paraíso vão ao Cinema

No início de agosto, os personagens principais do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, em Salvador (BA), não foram vistos no filme O Rei Leão. O plano sequência foi estrelado pelas crianças da Ocupação Quilombo do Paraíso. Os espectadores, dessa vez, testemunharam fronteiras sendo ultrapassadas por protagonistas que produziram cenas ricas no encontro organizado pelo projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos, uma parceria da Avante – Educação e Mobilização Social com a instituição alemã Kindernothilf (KNH).

Todas essas imagens, que tocaram em questões sensíveis, como a importância do acesso de toda e qualquer criança à cultura, lazer e experiências em espaços sociais e coletivos, fazem parte de um longa-metragem que permite, a um novo time de atores e atrizes sociais, desenvolverem novas histórias. A tela deixou de ser a convencional para estampar todos os espaços do cinema, possibilitando às crianças um momento para compreender e/ou recordar que o ambiente deve ser ocupado por elas, também. ˜Esse dia marcou muito para mim, todo mundo junto assistindo. Aprendi que mesmo perdendo não podemos desistir. Vim a última vez com a minha mãe, ela faleceu e nunca mais puder ir ao cinema”, afirmou Tauã, 14 anos.

O Projeto, que tem por objetivo a redução dos índices de violência comunitária, sobretudo de crianças e adolescentes, vem, desde 2017, promovendo o direito à cultura e à cidade por meio de acesso a teatros, museus, exposições, parques e agora ao cinema. Para Zé Diego, educador brincante do Estação Subúrbio, é importante pensar em estratégias que ampliem o repertório de vivência das crianças. “O cinema foi uma solicitação delas. Sempre sondamos sobre os passeios que querem fazer e a maioria nunca tinha ido a um cinema. É uma forma de abrir a mente, ampliar as fronteiras, ver outras coisas e criar mais possibilidades de pensar e enxergar o mundo”, disse.

O deslumbre e o espírito inocente de Simba (personagem principal) tomaram conta do grupo, naturalmente. Ir ao cinema para essas crianças, cujo acesso à cultura e lazer é historicamente negado, é um exercício de direitos que, em tese, deveriam ser garantidos a todas/os sem discriminação de raça, classe gênero ou etnia. “Nunca tinha vindo ao cinema. Aprendi um monte de coisas com esse filme, foi muito bom. Aprendi sobre obediência, educação, carinho, tudo. Gostei muito de ter vindo com meus amigos, até eles gostaram”, afirma Jarlei, 4 anos.

Não só o cinema foi uma novidade, o elevador, fez sucesso entre a criançada, que em muitos casos nunca tinham vivido essa experiência. A livraria foi outro ponto alto do passeio. Os olhos curiosos sobre os livros demonstraram que é a escassez de livros, e não a falta de vontade de ler, que restringe a aproximação das crianças ao direito à escrita e à leitura. “Eles tem um repertório de experiências muito curto nos lugares onde vivem e por onde circulam. Não contávamos com esse olhar mais cuidadoso para a livraria, por exemplo. Ficaram tão excitados que isso os dispersou um pouco, pois tudo era novidade naquele lugar. A ideia é continuar proporcionando esse tipo de experiência e levá-los para outros ambientes, ressaltou Zé Diego.

Estação Subúrbio

O projeto atua na comunidade desde 2017, com permanência até 2020, levando o brincar como estratégia de redução da violência comunitária urbana, sobretudo de crianças e adolescentes, com ações que estimulem o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos, na colaboração para o desenvolvimento infantil, o cuidado com o ambiente comunitário, promovendo o sentimento de pertença e a qualidade nas relações interpessoais.

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