Avante e UFBA promovem conferência com especialista em participação infantil – Natália Fernandes.

A Avante – Educação e Mobilização Social em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), trouxe a Salvador a pesquisadora portuguesa Natália Fernandes para a Conferência Participação de Crianças e Jovens: dos equívocos às potencialidades. O evento foi realizado no Instituto de Saúde Coletiva (ISC), no dia 31 de julho. A doutora em Estudos da Criança, na área de Sociologia da Infância, pela Universidade do Minho (Portugal), relatou e debateu com os presentes seus conhecimentos sobre participação infantil. Sua abordagem deixou clara a importância do tema para a sociedade. Tornou evidente o fato de que sua evolução, tanto na teoria quanto na prática, depende da competência do interlocutor das crianças com o mundo, o adulto, e da relevância do escutar e das perdas de paradigmas como parte desse processo.

Para Ana Oliva Marcilio, coordenadora do projeto Infâncias em Rede, um dos que prevê ações em prol da participação infantil na Avante e por meio do qual a instituição apoiou a conferência, a exposição de Natália Fernandes deu uma “ancoragem acadêmica” no investimento que a instituição vem fazendo na participação Infantil, estabelecendo uma ponte entre a prática dos movimentos sociais e as teorias produzidas por pesquisadores. “Ela nos deu a confiança de que estamos no caminho certo. E podemos ver isso nas estratégias que a instituição vem trazendo para o campo de atuação de advocacy, de militância, de difusão de conhecimentos e de articulação de base… Encontros como esse promovem também a integração de conceitos acadêmicos de dois continentes, sendo assim uma maneira de reforçar a militância pelos direitos das crianças, tanto local, como globalmente”, disse.

Ana Oliva lembrou que em um momento no qual conquistas sociais estão em risco de serem reduzidas no país, a ponte entre os movimentos sociais e a academia é de extrema importância. “Para conseguirmos a garantia, por exemplo, da assinatura do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), décadas atrás, foi necessário que os movimentos sociais, nacionais e internacionais se unissem à academia para a militância dos direitos da criança e do adolescente alcançarem seus objetivos. Então, esse encontro refaz esse caminho. E é esse o foco do Infâncias em Rede, reforçar essa rede, com essa articulação internacional”, fiz Ana referindo-se a uma proposta de interlocução presente na essência do projeto que é apoiado pela Fundação holandesa Bernard van Leer, parceira da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).

A professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Estudos da Infância pela Universidade do Minho, Juliana Prates, que juntamente com Ana Oliva e Natália Fernandes, compôs a mesa da conferência, acredita que, para além do conteúdo, o evento foi um grande encontro de pontos de vista. “Acho que discutir uma questão numa perspectiva acadêmica e social é muito profícuo, pois unir esses dois olhares é crucial para ambos. Em um mesmo momento, tivemos diversas interfaces, vários encontros; a universidade com instituições que atuam com crianças, países que se encontram numa mesma discussão. E o que a gente tira de um encontro como esse é a necessidade de uma participação menos romantizada, mais efetiva, uma participação que tem dilemas, dificuldades, mas que tem muitas possibilidades”.

Uma participação em construção

Natália Fernandes demonstrou que, apesar de ser crescente, “ao menos na visibilidade, tanto na teoria como em ações empíricas”, a participação infantil é ainda mal compreendida. Segundo ela, a participação está sujeita ainda a manipulação “em função dos interesses dos adultos”, como, por exemplo, em eventos sobre crianças em que elas aparecem “para efeito decorativo”, mas não participam dos debates. Ou quando existe uma “participação imposta, sem levar em conta suas idades, competências e vontades”, entre outras formas de participação superficiais.

A participação ideal, de acordo com a sua exposição, seria aquela em “que todas as suas opiniões (das crianças) sejam legitimadas ou respeitadas”, o que, segundo ela, exige ainda uma construção. Se, por um lado, com esse ideal, se alcança o espaço da surpresa trazido pelas falas das crianças, assumindo-a como um manancial de conhecimento. Por outro, é um meio de demonstrar-lhe que “nem tudo que digo pode ser”.

No debate que seguiu à sua exposição, quando representantes de organizações sociais, estudantes, pesquisadores e militantes dos direitos das crianças puderam dar suas contribuições e tirar dúvidas, Natália complementou a questão falando sobre o desconcerto do adulto frente à fala das crianças quando essa vai na contra mão da expectativa. Para ela, um espectro de possibilidades se abre quando se permite ver que o ganho das crianças ao se legitimar e respeitar suas falas não é a concretização de seu ponto de vista, mas o processo coletivo de examinar, levando em conta os prós e contras para alcançar as escolhas que facilitem suas vidas e de toda coletividade.

Outro obstáculo é a dificuldade de compreender o que as crianças resignificam. Para Natália, essa é uma dificuldade intimamente ligada a questões culturais, de poder, de autoridade. O “tempo” também tem seu papel como obstáculo, uma vez que o tempo do adulto está vinculado ao tempo da sociedade, enquanto que as crianças vivem, ou deveriam viver, em um tempo sem as exigências e stress do mundo adulto contemporâneo. É que se extrai de sua exposição.

Mudanças necessárias do adulto para facilitar sua compreensão nos diálogos com as crianças podem e devem acompanhar as mudanças conceituais emergidas dos estudos sobre a infância, expostas por Natalia. Um exemplo, é o conceito de se investir no presente da criança, substituindo o conceito de investir no seu futuro.

Abordando a competência da criança como ator social, Natália aponta para o conceito que vê uma relação direta dessa competência com a competência do adulto no papel de interlocutor. Se voltando para a academia, ela ressalta que esses novos conceitos exigem um esforço dos investigadores no sentido de libertar-se “de uma maneira antiga de fazer ciência”, nos estudos sobre as crianças.

Natália, no entanto, aponta que o avanço nas pesquisas e nas ações empíricas de participação infantil é facilitado pelos marcos legais que têm sido conquistados. Entre eles, ela destacou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação. O documento adotado em Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2011, com entrada em vigor em 2014, encoraja os países à construir meios de ofertar a possibilidade, às crianças que se sintam desrespeitadas em seus direitos, de prestarem queixa.

Lembrando também que nem todas as crianças nascem com essa competência de participar, Natália ressalta que é na infância o momento de construí-la. Para tanto, ela acredita ser importante o uso da prudência na análise sobre a participação infantil para não incorrer na prática de uma participação superficial, sem os retornos dos benefícios que um participativo diálogo entre crianças e adultos podem, “e já o faz”, trazer para a sociedade. Apontou também na direção de um esforço em “ultrapassar a crítica destrutiva e sem apelo”, nesse diálogo que se torna mais produtivo à medida que os adultos se preparam para conhecer melhor a criança de hoje, ao passo que esta encontra mais espaços para se apresentar íntegra e livre de preconceitos.

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